Com unidades no Sergipe e na Bahia, gelateria com toda a equipe composta por pessoas surdas chegou a São Paulo e repercute dando uma demonstração de inclusão real Já pensei em criar uma grife de roupas sem zíper nas costas e muito menos botões. A coleção atenderia pessoas que, pelos mais diferentes motivos, vivem sozinhas. Essa ideia me vem à cabeça toda vez que quero usar um vestido do meu guarda-roupa e não consigo, a não ser que alguém esteja me visitando em casa ou a vizinha, com quem tenho intimidade, possa me auxiliar. Pegar o elevador seminua e pedir ajuda para o porteiro não cai bem, né? Aí pergunto a mim mesma se nas reuniões de criação das marcas ninguém se toca disso. A estampa é fashion, o tecido é de qualidade, mas cadê a funcionalidade? Ninguém bota a cabeça para funcionar além do seu microcosmo. Pois Breno Oliveira botou a sua para criar e as mãos à obra em favor dele e de outros tantos como ele. Achei formidável sua ideia de negócio ter virado tema de matéria: a Il Sordo, gelateria que atende os clientes usando a língua de sinais e que tem toda sua equipe composta por funcionários surdos. Com unidades em Sergipe e na Bahia, chamou atenção da mídia agora que chegou a São Paulo, no bairro de Pinheiros.
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Está aí um exemplo de inclusão real. Para comprar e se deliciar com seu sorvete, você vai aprender a lidar com os atendentes. E, se nenhum deles ouve nada, não dá para usar áudio, não interessa quantos idiomas você sabe falar. É o cliente que se adapta a uma empresa moderna, inovadora. E não só mais uma empresa que entra no mercado apenas visando ao lucro, sem ser agente transformadora, preenchendo cotas que eventualmente ainda obrigam pessoas com deficiência a fazerem um esforço extenuante para se adequarem a um mundo que não é receptivo a elas.
Se filhos ou sobrinhos eu tivesse, pensei que visitar a Il Sordo seria um programão para fazer com crianças. Geralmente elas amam sorvete. E, de quebra, provavelmente ainda achariam interessante aprender um novo jeito de se comunicar. O que inicialmente poderia ser curioso, ao longo do tempo se tornaria algo comum, naturalizando a relação com pessoas surdas.
Parece uma bobagem eu reclamar de roupas que não consigo vestir sozinha. No meu caso específico, é só eu escolher outra peça. Você pode achar sem nexo eu citar num mesmo texto uma insatisfação individual e a realidade de gente com deficiência numa sociedade não inclusiva. Mas foi minha frustração banal ao me arrumar num dia qualquer que me levou a prestar atenção na necessidade de outra pessoa da família, essa, sim, permanente. Há alguns anos, me vi pesquisando na internet maiôs com abertura na frente e que fossem mais fáceis de colocar, para que minha mãe pudesse continuar fazendo suas essenciais aulas de hidroginástica. As doenças degenerativas estão aí, chegando a diversos lares, provocando rigidez de movimentos, limitações físicas. E quem está próximo vê a urgência de se adaptar. Mas não foi tão simples assim encontrar um maiô que unisse qualidade a preço justo, sabia? Como ainda são restritos os modelos de sutiã assim também.
Num mundo ideal, a gente não deveria prestar atenção na realidade do outro apenas quando a água bate na nossa bunda, como dizem por aí. Por isso gostei tanto de ver a reportagem sobre a Il Sordo e torço para que negócios como esse cresçam e se multipliquem. A diversidade que abraça a todos, sem distinção. O mundo é muito mais abrangente do que os descontentamentos da nossa vidinha. É exercitar os olhos para ver, os ouvidos para escutar (isso não é uma passagem bíblica!) e as mãos para fazer acontecer, como no caso do Breno. Estejamos atentos a todos os sinais. Os de libras e outros além deles.
Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: gabriela.germano@extra.inf.br
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