Servidores do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de MS) denunciam pressão por parte de empresa particular para forçar proprietários de veículos a parcelar débitos com o órgão estadual e lucrar mais com os juros ‘empurrados’ aos usuários.
O serviço de parcelamento de débitos começou a ser oferecido há menos de um ano, em dezembro do ano passado. Dessa forma, quem possui débitos com o órgão de trânsito, pode também parcelar a dívida no cartão de crédito diretamente com um servidor público, em guichê de atendimento de qualquer agência.
As operações de crédito são feitas a partir de maquinetas operadas pela empresa Potencial Tecnologia Ltda (CNPJ 08.744.314/0002-91), terceirizada pelo Banco do Brasil, que possui convênio com o Detran-MS. Assim, a empresa pratica juros de até 27,05% ao ano – mais que o dobro da Selic, a taxa básica de juros que está em 10,75% -, considerados abusivos por usuários.
Alguns servidores que trabalham em agências relataram à reportagem que e empresa pagaria propina a alguns gerentes para que realizem mais operações de parcelamento, já que é a modalidade em que a empresa ganha mais com os juros exorbitantes.
A reportagem do Jornal Midiamax recebeu diversos relatos de servidores – que não querem se identificar por medo de represálias -, inclusive com documentação comprobatória de e-mails enviados por uma gerente da Potencial.
Empresa agradece ‘colaboração’ e ressalta ‘queda na produção de crédito’ a servidor do Detran-MS
No documento, a gerente regional de operações da Potencial, Sandra Marques, ‘agradece’ pela ‘colaboração’ e suporte prestados pela agência. Destaca ainda uma ‘pequena queda na produção de crédito’ em todas as agências do Detran-MS. Ao e-mail enviado para um servidor público, a gerente da empresa fala que ‘podemos trabalhar para que isso não se repita em setembro de 2024’.
No e-mail, Sandra é clara ao exigir que os servidores da agência do Detran-MS façam operações no crédito. “Conto com sua ajuda contínua para que a agência que ficou zerada realize alguma operação de crédito este mês e consiga melhorar“.
Em ligação telefônica gravada com a reportagem, Sandra admitiu que tem uma meta a cumprir. “É um serviço que foi colocado pelo Banco do Brasil e tem um custo tanto para o Detran quanto para a Potencial”, alegou.
Questionada sobre os e-mails cobrando ‘resultados’ de servidores públicos, Sandra admitiu que mantém contato com gerentes de agências do Detran-MS. “Tem gerente que a gente conversa com mais tranquilidade e fala que esse mês você fez tanto”, admitiu, porém, sem classificar a atitude como cobrança ou pressão.
Por fim, admitiu que tem uma meta a ser cumprida. “O Banco do Brasil tem custos e cobra muito da Potencial. Se tem uma maquineta parada, eu vou perguntar se tem algum problema no sistema, se posso ajudar”, diz Sandra.
Servidores ouvidos pela reportagem denunciam que estão ‘trabalhando’ a favor de uma empresa privada. “Como servidor de uma autarquia, a gente acaba vendendo um produto dentro da instituição pública, porque gera um lucro [para a empresa]. É uma venda de crédito que beneficia uma empresa particular que utiliza a estrutura do Detran-MS para lucrar”, revela, indignado.
Outro funcionário público ouvido pela reportagem questiona: “Foram quase 460 reais de juros por um parcelamento de boleto. Para quem foi esse dinheiro? Para uma empresa particular? Estamos trabalhando e fazendo coisas fora da nossa obrigação?”, revolta-se.
Os juros considerados exorbitantes também causam estranheza. “Cidadão comum vai parcelar uma dívida e paga juros absurdos. Tudo por conta de toda a estrutura do Detran e a empresa não precisa de nada”, dispara outro servidor concursado, que conclui: “É uma empresa privada ganhando com toda a estrutura do Detran-MS”.
Sindicato denuncia desvio de função
O Jornal Midiamax obteve ofício encaminhado pelo Sindetran-MS (Sindicato dos Servidores do Detran-MS) ao diretor-presidente do órgão, Rudel Espíndola Trindade Júnior.
O documento oficial foi encaminhado à diretoria do Detran-MS logo que o serviço de parcelamento foi anunciado. No entanto, conforme apurado, dez meses depois, a entidade não obteve resposta.
Assim, a utilização de servidores e toda a estrutura pública para beneficiar uma empresa particular já havia sido denunciada ao diretor-presidente. “Inclusive, porque, segundo informação oficial, os juros irão onerar o cidadão além das taxas do Detran/MS em até 27,05% ao ano e com baixo custo para esta empresa, já que o Detran/MS oferecerá a mão-de-obra e o local!”.
Por fim, o sindicato também questiona a contrapartida do Detran-MS aos servidores por acúmulo de função: “Já que os servidores começarão a desempenhar atividades de bancários, há alguma previsão de implementação das 6 horas, ou da recomposição das 20 horas/mês usurpadas dos servidores? Haverá alguma compensação financeira aos servidores pelo acúmulo de função de vendedores de empréstimo bancário com juros na modalidade cartão de crédito?”.
À reportagem, o presidente da entidade, Bruno Alves da Silva Nascimento, disse que não recebeu denúncia oficial de coação por parte de servidor. “Orientação que foi dada é que o parcelamento de débitos na forma como foi implementada, caracteriza-se como desvio de função. Servidor não é obrigado a fazer”, declarou, complementando que o servidores concursados que realizam esse parcelamento aos usuários fazem para facilitar a vida do usuário.
Detran-MS desconhece ‘pressão’ de empresa a servidores
Em conversa telefônica gravada com a reportagem do Jornal Midiamax, o diretor-presidente do Detran-MS, Rudel Trindade, disse que “não temos relação direta com essa empresa. Nossa relação institucional, o meu contrato, é Banco do Brasil. Ele credencia lá as empresas que ele deseja”, informou.
Questionado sobre e-mails que servidores estariam recebendo com cobranças para realizar operações no crédito, Rudel diz que desconhece essa situação. “A comunicação deveria ser Detran, Banco do Brasil e funcionário. Eu vou verificar essa situação”, disse.
Quanto ao parcelamento, Rudel negou que exista uma pressão do Detran-MS para que o servidor faça o parcelamento, no entanto, admitiu que existe uma orientação. “Muitas vezes o próprio atendente não sabe e não repassa essa facilidade para o usuário”.
A Potencial foi acionada pela reportagem via e-mail oficial cadastrado junto à Receita Federal. No entanto, não obtivemos posicionamento até esta publicação. O espaço segue aberto para manifestação.