Ronaldo Nazário, conhecido internacionalmente pelo apelido de Fenômeno, construiu uma carreira de sucesso no futebol, com atuações marcantes não apenas na seleção brasileira, em que conquistou duas Copas do Mundo (em 1994, como reserva, e 2002, como artilheiro e um dos craques da competição), mas também em clubes como Cruzeiro, PSV, Barcelona, Internazionale, Real Madrid, Milan e Corinthians.
Com fortes contatos no mundo publicitário, Ronaldo continua a ser uma figura disputada pelas marcas, por conta do prestígio construído nos gramados. Atualmente, ao lado de Rivaldo, por exemplo, ele é embaixador da casa de apostas Betfair.
Depois que pendurou as chuteiras, porém, Fenômeno não se contentou em seguir os passos dos colegas de profissão. Ele até atuou como comentarista da TV Globo, atividade que muitos ídolos aposentados do futebol também costumam abraçar. Mas Ronaldo quis ir além e atuar também na gestão, dando as cartas no esporte que o projetou para o mundo.
Nesta semana, o ex-atacante, que marcou 364 gols na carreira e conquistou duas Bolas de Ouro, da France Football, e três The Best, da Federação Internacional de Futebol (Fifa), oficializou seu desejo de presidir a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Em entrevista ao portal GE, da Globo, Ronaldo declarou: “Eu tenho centenas de motivações, mas a maior delas é voltar com o respeito do futebol brasileiro a nível mundial. O que mais acontece comigo nas ruas são as pessoas parando e pedindo para eu voltar a jogar, porque a situação da seleção não é das melhores neste momento, tanto dentro de campo quanto fora”.
Por ora, não há sequer uma data marcada para a eleição que definirá o sucessor (ou não) de Ednaldo Rodrigues à frente da CBF. O atual presidente tem prazo, que vai de março do ano que vem a março de 2026 (quando se encerrará seu mandato), para agendar o pleito.
Nesta matéria, analisamos as possibilidade de essa candidatura de Ronaldo prosperar ou se ela não passará de um balão de ensaio do Fenômeno.
Experiência como dirigente
Não é de hoje que Ronaldo Fenômeno tem procurado se aventurar na gestão do futebol. Em 2011, ele foi convidado a integrar o Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil.
O órgão ligado à Fifa e que também organizou a Copa das Confederações de 2013 era presidido por José Maria Marin, que acumulava, à época, a presidência da CBF (em 2015, o cartola seria preso pelo FBI, na Suíça, por crimes como lavagem de dinheiro, fraude e conspiração, e acabaria banido do futebol).
Ronaldo integrava o Conselho de Administração do COL, ao lado do ex-atacante Bebeto, com quem fez dupla de ataque na Copa de 1998. Enquanto o ex-jogador baiano adotava um estilo mais discreto, o Fenômeno acabou atraindo para si boa parte dos holofotes.
E isso incluiu o protagonismo em situações polêmicas, como quando resolveu responder aos questionamentos sobre os gastos públicos feitos pelo governo brasileiro para viabilizar a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
“Acho que se gasta em tudo. Está sendo gasto também muito dinheiro em saúde, em segurança. Mas a gente vai receber a Copa do Mundo. Sem estádio, não faz Copa do Mundo, amigo. Não se faz Copa do Mundo com hospital. Tem de fazer estádio, senão não tem Copa do Mundo”, declarou.
A declaração foi dada em 2011, quando ele assumiu o cargo no COL. Dois anos mais tarde, durante a Copa das Confederações, o Brasil passou a conviver com manifestações que reuniam milhões de pessoas e que quase derrubaram o governo de Dilma Rousseff (PT). A mobilização iniciou-se na cidade de São Paulo, com protestos que questionavam o aumento do preço das passagens de ônibus e metrô, promovido pela prefeitura da capital paulista e pelo Governo Estadual.
A forte repressão policial aos manifestantes fez com que o apoio aos protestos crescesse, com direito a manifestações ocorrendo em diversos pontos do país. Elas já não mais se limitavam a criticar o preço do transporte público, mas passavam a questionar outros aspectos da política brasileira, incluindo os gastos com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.
Esse trecho da fala de Ronaldo, de 2011, foi redescoberto e passou a circular com força nas redes sociais em 2013, sobretudo entre grupos que tentavam emplacar o discurso de que a Copa do Mundo retiraria dinheiro de áreas essenciais como a saúde.
Ronaldo chegou a se posicionar sobre o vídeo em sua conta no antigo Twitter (dos tempos em que era embaixador da empresa de telefonia Claro), alegando que a edição do vídeo era tendenciosa e que o material estava fora de contexto.
Finalmente, em maio 2014, o próprio Ronaldo resolveu engrossar o coro dos que criticavam a realização do Mundial no Brasil, afirmando, em sabatina realizada pela Folha de S. Paulo, que sentia vergonha em relação ao evento.
“Eu sinalizei principalmente as obras de infraestrutura e não exatamente os estádios, quis dizer as obras que ficariam de legado para a população. Os estádios eram exigência principal da Fifa para fazer a Copa. Os estádios estão quase todos terminados, mal ou bem, vão estar prontos. Como eu disse para a Reuters, a minha vergonha é pela população que esperava realmente esses grandes investimentos, esse grande legado de Copa do Mundo para eles mesmos, para população, reformas de aeroportos, mobilidade urbana. Tudo que foi prometido e não foi entregue. Tem estatística, é noticiado, 30% só vai ser entregue para a Copa do Mundo, essa é minha preocupação, minha vergonha”, disse o ex-jogador, que aproveitou a oportunidade para declarar apoio ao senador Aécio Neves (PSDB), na disputa presidencial daquele ano, contra Dilma Rousseff.
Algumas semanas depois, a Copa do Mundo de 2014 ocorreria e, até hoje na memória dos brasileiros, a maior “tragédia” relacionada ao evento consiste na eliminação da seleção brasileira diante da Alemanha, na histórica goleada por 7 a 1. Em outubro, Aécio, candidato de Ronaldo, seria derrotado em uma disputa acirrada com Dilma.
Cartola de clubes de futebol
Depois de participar da organização da Copa do Mundo de 2014, Ronaldo resolveu investir em times de futebol. Seu primeiro investimento de peso nessa área ocorreu na Espanha, em 2018.
O ex-atacante pagou R$ 30 milhões (cerca de R$ 141 milhões, pela cotação da época) por 51% das ações do Valladolid, que disputa a LaLiga.
Em dezembro de 2021, ele fechou o acordo para a compra da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Cruzeiro, em negócio intermediado pela XP e ajustado em março daquele ano, com o Fenômeno injetando, de maneira imediata, R$ 50 milhões no clube.
O compromisso era de que ele investiria outros R$ 350 milhões ao longo de cinco anos, de modo a garantir 90% do capital da SAF. Conforme noticiou a Máquina do Esporte, porém, o acordo estava estava vinculado à performance financeira do Cruzeiro.
Se a SAF conseguisse aumentar o faturamento médio que o clube havia obtido entre 2017 e 2021, Ronaldo precisaria apenas destinar parte desse aumento para o clube, sem necessidade de tirar dinheiro do próprio bolso.
Como o Cruzeiro assinou o acordo de venda de 20% de seus direitos de mídia do Brasileirão dentro da Liga Forte União (LFU) e ainda repassou para a agência Brax a exploração de suas placas de publicidade estática para o período entre 2025 e 2029, com o pagamento de luvas, a SAF conseguiu ampliar as receitas sem que Ronaldo precisasse desembolsar dinheiro.
A gestão de Ronaldo à frente do clube que o revelou foi marcada pela contenção nos gastos, fato que se refletiu no desempenho fraco da equipe nos gramados. Em vários momentos, ela chegou a flertar com a possibilidade de rebaixamento, gerando protestos por parte da torcida.
No auge das críticas, Ronaldo dirigente deu uma declaração que gerou polêmica entre os cruzeirenses. “Entendo a insatisfação da torcida. Já não entendo a revolta, a hostilidade, a violência com que o torcedor tem reagido a essa situação. Temos que nos unir, fazer um chamamento à nossa torcida, que da maneira que está se comportando não nos ajuda em absolutamente nada”, afirmou, dando a entender que, sem o apoio das arquibancadas, dificilmente o clube permaneceria na Série A.
Neste ano, Ronaldo decidiu vender o Cruzeiro ao empresário Pedro Lourenço, mais conhecido como Pedrinho BH e que já havia feito investimento de R$ 100 milhões na SAF do clube. O Fenômeno faturou R$ 500 milhões nesse negócio, dez vezes mais do que investiu de fato na aquisição.
Após se desfazer da SAF do Cruzeiro, Ronaldo afirmou que o Valladolid seria o próximo a ser vendido. Em agosto, porém, o clube comunicou que o ex-jogador havia desistido de vender suas ações. Porém, esse negócio ainda tem grandes chances de se concretizar.
Na entrevista ao GE, Ronaldo afirmou que a propriedade do Valladolid não seria um empecilho para ele se tornar presidente da entidade máxima do futebol brasileiro, uma vez que ele estaria “negociando uma possível venda” e que a “operação deve ser fechada” em breve.
O que está em jogo na eleição da CBF?
A CBF é a instituição máxima do futebol brasileiro e a maior entidade nacional desse esporte no continente, além de ser uma das mais influentes no mundo.
A Confederação é responsável pela seleção brasileira, que, mesmo não vivendo um dos melhores momentos em campo, continua a ser uma marca forte internacionalmente.
Tanto que, neste mês, a Nike (que, por sinal, é patrocinadora de Ronaldo desde a década de 1990, quando a marca passou a investir em futebol e na seleção) decidiu elevar os valores pagos à entidade, de modo a prorrogar o contrato de patrocínio, que venceria em 2026.
O novo acordo, que terá 12 anos de validade, poderá render até R$ 1 bilhão ao ano para a CBF, sendo US$ 100 milhões (cerca de R$ 600 milhões) fixos, além de royalties pela venda de camisas da seleção brasileira.
A CBF também organiza atualmente o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil, as duas principais competições de clubes do país e que também rendem contratos bilionários de patrocínio.
Para tanto, basta lembrar que neste ano a CBF distribuirá R$ 481 milhões em premiação em dinheiro a 16 clubes da Série A do Brasileirão. Esse montante é proveniente dos contratos publicitários que a entidade fechou para a competição, em especial o sponsor title, que hoje pertence à Betano.
Nos últimos anos, clubes resolveram se unir em blocos, na tentativa de criar uma liga independente, responsável por organizar o Campeonato Brasileiro.
As fortes divisões existentes entre os dois grupos – Libra e LFU -, porém, tornam a liga unificada uma ideia ainda distante no horizonte do futebol nacional. A tendência é que o vencedor da próxima eleição para presidente da CBF siga à frente do principal campeonato do país.
Além de controlar competições importantes e a própria seleção brasileira, o presidente da CBF terá papel crucial na Copa do Mundo Feminina, que será realizada no Brasil em 2027.
Via de regra, o dirigente é escolhido pela Fifa para ocupar a presidência do COL, comandando, portanto, toda a organização do Mundial. Se conseguir se eleger presidente da CBF, portanto, Ronaldo novamente estará às voltas com a realização de uma Copa do Mundo, só que desempenhando um papel de ainda mais poder.
Quais as chances de Ronaldo nessa disputa?
Ronaldo tem uma grande vantagem nessa disputa pela presidência da CBF, que é a de contar com o espaço nos grandes veículos de comunicação de massa. O anúncio de sua intenção de disputar a eleição na entidade foi noticiado, por exemplo, pelo Jornal Nacional, da TV Globo.
Esse apelo midiático do astro pode tornar sua aventura eleitoral uma missão menos impossível. No entanto, ela continua sendo extremamente complexa. Inicialmente, será necessário que o atual comando da CBF convoque a eleição, situação que ainda não está definida e que pode nem ocorrer no próximo ano.
Para poder se candidatar à presidência da entidade, uma pessoa precisa ter o apoio de, no mínimo, oito federações e cinco clubes. Só assim a candidatura pode ser registrada.
Não está claro se Ronaldo teria trânsito necessário entre os cartolas (sobretudo os que comandam as federações) para se viabilizar numa eventual disputa, embora ele tenha declarado que pretende rodar o Brasil em busca de apoios.
Ednaldo Rodrigues, que entre o fim do ano passado e o início do atual, chegou a ser afastado pela Justiça do cargo, tem realizado manobras que o fortaleceram no comando da CBF.
A principal delas foi a aprovação da mudança do estatuto da entidade, que prevê a possibilidade de um presidente permanecer no cargo por três mandatos consecutivos, ou seja, com duas reeleições seguidas.
Representantes de 27 federações estaduais disseram sim à mudança benéfica a Ednaldo Rodrigues, o que demonstra as dificuldades que o ex-craque enfrentará numa eventual eleição.
Hoje, a principal discussão em torno dessa nova regra consiste em saber se o período em 2021, quando o atual presidente assumiu como interino após a saída de Rogério Caboclo (antes de vencer a eleição de 2022), contará ou não como mandato.
Se a interpretação jurídica for de que esse tempo entra na soma, ele só terá direito a mais uma reeleição na entidade (quando poderá ter Ronaldo Fenômeno como adversário). Já se o período como interino não contar como mandato, Ednaldo teria direito a disputar mais uma vez a presidência, tendo a chance de permanecer no cargo até 2034.