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Por que os filmes da Marvel têm fracassado tanto ultimamente?

Nota Diária

A Marvel, como toda editora de quadrinhos de super-heróis que se preze, adora um plot twist para deixar os fãs boquiabertos com viradas surpreendentes em suas tramas. Mas a reviravolta que a Fase 4 causou no Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) foi tão rápida e indigesta que nem mesmo os críticos mais pessimistas esperavam filmes e séries tão problemáticas.

A fadiga dos filmes de super-heróis, que já era uma coisa esperada há alguns anos, chegou muito mais rápido do que deveria, e não somente pelo desinteresse do público. Isso acontece, principalmente, porque o Marvel Studios não aprendeu a driblar vários obstáculos que a própria Marvel Comics teve que superar quando chegou à falência nos anos 1990.

A queda brutal de bilheteria é parte dos sintomas que comprovam o fracasso da Saga do Multiverso: diferente da Saga do Infinito, que uma ou duas vezes por ano superava a média de US$ 600 milhões a US$ 900 milhões e batia US$ 1 bilhão, com alguns filmes, como Vingadores: Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato passando dos US$ 2 bilhões. 

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Mas por que isso vem acontecendo? Existem soluções para isso? E quais são as lições que a Marvel Comics pode ensinar para o Marvel Studios? Tenho algumas opiniões sobre isso, deem uma olhada abaixo e vejam se faz tanto sentido para vocês como faz para mim.

Que Multiverso?

Bem, para começar, é preciso destacar que o Multiverso Marvel é relativamente recente, sem a mesma consistência que o da DC, que vem sendo povoado desde 1960. Assim, a Casa das Ideias tem sim suas várias Terras paralelas, linhas temporais, reinos e dimensões, mas somente nos últimos anos é que a editora vem se dedicando a dar mais estofo e complexidade a esses mundos.

Então, fica difícil pensarmos em um conflito multiversal sendo que nem mesmo fomos apresentados direito às várias versões dos personagens e mundos. Mesmo em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, que tinha o papel de se aprofundar mais nisso, não dá para ver com clareza por que alguém deveria se importar com essas outras Terras.

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O único filme que deu certo com isso foi Homem-Aranha: Longe de Casa, pelo simples motivo de os fãs já terem conhecido as diferentes Terras do Escalador de Paredes do Tobey Maguire e do Andrew Garfield. E, no final, quando o pessoal já começou a desistir da Saga do Multiverso, a série Loki foi o que sustentou a razão desse evento acontecer para reunir dezenas de heróis nos próximos filmes dos Vingadores.

Roteiros ruins

Veja bem, quando o Marvel Studios nasceu, lançava no máximo três filmes por ano, e todas as produções eram “taylor-made”. Depois dos primeiros longas, Kevin Feige conseguiu selecionar cuidadosamente as equipes de cada projeto, com um misto de atores populares que se encaixaram bem em seus personagens, diretores de uma nova safra com uma forte pegada autoral e jovens roteiristas que se submetiam a fazer rapidamente duas ou três versões de histórias acima da média a um preço bem menor do que os escritores mais experientes e consagrados.

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A pandemia e a greve dos roteiristas escancaram bem as táticas abusivas que vários estúdios cometiam há anos. E o Marvel Studios, que, claro, também se aproveitava dos “padrões do mercado”, viu-se obrigada a recorrer a escritores ainda mais jovens e novatos, que ainda estavam terminando seus cursos de graduação e sequer tinham um lançamento profissional no currículo.

Basta dar uma olhada no desenrolar das tramas de séries como Ms. Marvel e Mulher-Hulk para notar como os diálogos, cenas de ação, desenvolvimento dos capítulos e motivações dos personagens para sacar que os coadjuvantes eram tão mal construídos que até os protagonistas rasos e irregulares pareciam ter estruturas menos esquizofrênicas nos primeiros capítulos

Os vilões de Kamala Khan vieram diretamente da novela baixa-renda Os Mutantes; e o filho do Hulk brisado com tatuagem de henna e “cabelinho calvo” que nem de longe lembra o guerreiro espartano dos quadrinhos.

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Execução inconsistente

Esse problema afetou principalmente as séries do Disney+, como Ms. Marvel, Mulher-Hulk, Gavião Arqueiro e Invasão Secreta. Os capítulos prometem um desenvolvimento dos personagens que nunca chega, e as tramas tentam costurar subtextos tão preguiçosos e ocos que mostram claramente a incapacidade dos roteiristas de concluírem de forma coerente e verossímil algumas das boas ideias por ali.

A impressão que dá é que as equipes leram apenas um ou outro gibi mais bem-sucedidos de cada tema e não entenderam direito como os bons argumentos das histórias foram pensadas por completo antes de virarem um arco completo. 

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Em Mulher-Hulk e Ms. Marvel nem mesmo parece que há realmente uma história de fundo; e Invasão Secreta finge ser importante enquanto explora o tórrido e bocejante namoro fetichista entre Nick Fury e uma Skrull que poderia se transformar em uma apendicite, já que ninguém iria sentir falta.

Conflito visual e conceitual

Um dos maiores êxitos da Saga do Infinito foi encontrar equilíbrio e diálogo entre as identidades visuais e ambientações aparentemente desconexas entre a ação e a ficção científica de Homem de Ferro com a fantasia cósmica de Thor e o terreno cru e perigoso da aventura e espionagem de Capitão América. 

Os produtores do filmes da Trindade Marvel trabalharam em conjunto para conseguir estabelecer harmonia entre os temas e tonalidades, assim como as cores, uniformes e cenários. Tudo deu tão certo que a reunião desses heróis com filmes com ambientações tão diferentes soou natural o suficiente para que eles conduzissem toda a Saga do Infinito

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Já na Saga do Multiverso os uniformes, os comportamentos e os cantinhos de cada personagem “brigam” muito entre si, de forma que nem parece que os protagonistas fazem parte do mesmo universo ou se comunicam. Os uniformes, então, são muito mais cafonas e sem sentido prático — melhor dar uma camiseta da Renner para cada um.

Kevin Feige sobrecarregado

Como dito antes, as produções da Marvel antes de Kevin Feige se tornar o chefão da Marvel Entertainment eram pontuais e muito bem conversadas e alinhadas, para que todas as histórias tivessem alguma conexão e alimentassem a escalada de Thanos até sua investida brutal.

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Feige passou a ter que dedicar mais tempo a aspectos administrativos e burocráticos, e dividiu parte de suas responsabilidades de controle de qualidade e comunicação entre as produções nas mãos de Victoria Alonso, que é boa profissional mas não tem trânsito nos corredores dos quadrinhos. Além disso, ela não supervisionou direito a execução dos efeitos especiais, e, para completar, trabalhou em um filme rival da Disney, o longa Argentina, 1985, lançado pelo Amazon Prime Video.

Para completar, Feige se deslumbrou um pouco com o sucesso de propriedades subestimadas, como Guardiões da Galáxia, e, em vez de mirar em personagens com apelo e relevância primordial no Universo Marvel, como Nova, Surfista Prateado e Motoqueiro Fantasma, preferiu endoidar com Os Eternos, Cavaleiro da Lua, Agatha Harkness e até uma série do Magnum, Wonder Man, que foi sabiamente cancelada.

Assim, são produções que tem lá seu nível de qualidade e relevância para abrir mais caminhos dos gibis nos cinemas. Mas, a meu ver pelo menos, seria melhor a Marvel rechear ainda mais o estofo para conectar os “cantinhos” já apresentados na Saga do Infinito com ramos mais específicos.

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Nova e Surfista Prateado podem mostrar melhor outros planetas e raças em um nível de hierarquia de poder bastante alto e complexo. O que Guardiões da Galáxia apresentou seria destrinchado de forma mais rica e ampla. 

Isso poderia, por exemplo, ambientar melhor a trama de Capitã Marvel, e, assim, o enredo não precisaria  se dedicar tanto a isso para focar mais na construção da personagem — não vimos Carol Danvers justificar sua impulsividade e competitividade com a profundidade que os quadrinhos mostraram sua rivalidade com os irmãos e a pressão de cobranças severas de seu rígido pai.

Narrativas previsíveis

Um dos maiores acertos do Marvel Studios foi encaixar os filmes em um gênero parecido com o dos quadrinhos, em que romance, aventura, ficção científica, drama e comédia se misturam em um blend que funciona porque os poderes, embora sejam fantásticos nas batalhas e peripécias dos heróis e vilões, não são o mais importante.

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A Marvel tem personagens que são humanos querendo ser deuses, e eles vivem brigando entre si. O fato de eles serem tão falíveis os tornam ainda mais especiais quando conseguem superar suas limitações em sacrifícios heróicos.

Antigamente os filmes de super-heróis eram encaixados em gêneros estabelecidos pelo cinema há mais de um século. Homem-Aranha era classificado como “Aventura”, Hulk ficava na prateleira de “Drama”, e X-Men iam para “Ficção Científica”. Hoje em dia, os filmes da Marvel têm uma categoria própria.

Os filmes e séries da Marvel têm uma personalidade básica, que é rir de si mesma com um humor inerente aos heróis mundanos. Mas isso deveria ser uma moldura, um traço de fisionomia, uma música de fundo. 

Além disso, a Fase 4 peca em ainda insistir em um desenvolvimento plano e horizontal, sem arriscar muito. A Marvel Comics passou por isso e faliu nos anos 1990. A editora só conseguiu se reerguer quando entendeu que os personagens e os mundos onde eles vivem precisam estar sempre em movimento, a partir das consequências de cada evento. 

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Os heróis e vilões precisam mostrar que saíram de algum lugar para estar em outro. Se você parar para notar, o único que envelheceu cronologicamente no MCU foi o Homem-Aranha. Veja bem, o garoto de 13 anos que assistiu ao primeiro filme do Escalador de Paredes do Marvel Studios tinha a idade do Peter Parker do Tom Holland em sua estreia.

Já em Homem-Aranha: Longe de Casa, esse mesmo guri completou 18 anos e completou o colegial junto com esse Peter — e isso gera uma memória afetiva e uma compressão de maturidade que os fãs podem se relacionar. No final da trilogia, finalmente vemos o herói que ele é nos quadrinhos: o Escalador de Paredes trágico e solitário que apanha do mundo e devolve generosidade, sem se corromper. 

Nas primeiras três fases do MCU as coisas funcionaram bem com uma estrutura básica e formulaica porque muita gente não conhecia o Universo Marvel e seus habitantes. Então, era necessária uma narrativa simples e previsível para que os conceitos de ficção científica e fantasia pudessem ser melhor compreendidos.

Mas na Fase 4 o mundo inteiro já conhece esse universo, então não são mais necessárias tantas histórias de origem com a mesma fórmulazinha básica. O próprio Marvel Studios está cometendo o erro que estúdios como a Fox Films ainda comete, o de encaixar em gêneros pré-estabelecidos, confortáveis e seguros.

Não há mais consequências com mudanças dinâmicas e dramáticas nos personagens, não há efervescência, não há uma quebra de protocolo de origem misteriosa que posteriormente se prova como nobreza de lugar improvável, como acontece nos quadrinhos.

Se você observar com atenção a trilogia Guardiões da Galáxia, vai notar a jornada de cada personagem, e como os comportamentos e o processo de amadurecimento e superação os levaram até a conclusão. É por isso que o filme foi tão elogiado, a trama e os heróis estiveram sempre em movimento; e as histórias de origem foram apresentadas de maneiras inventivas e cativantes, com música e outros recursos de narrativa fora do lugar-comum.

Fase 4 não manteve retroalimentação

Quando o MCU decolou, conseguiu algo inédito no mundo do entretenimento, graças ao bom relacionamento e a comunicação estabelecida por Feige entre os criadores de quadrinhos com os roteiristas, diretores e produtores dos filmes. Isso ajudou a adaptar o conteúdo baseado nas revistas de maneira mais palpável, dramático, verossímil, diverso e coerente com o mundo atual. E as coisas que foram bem aceitas nas telonas acabaram retornando para as HQs, que alinharam os personagens com suas versões de carne e osso.

Esse processo de retroalimentação não foi bem-sucedido na Fase 4, como o caso das mudanças drásticas nos poderes e na origem da Ms. Marvel, que se tornou uma mutante e perdeu de sua caracterização analogia de distorção corporal com as inseguranças que uma adolescente passa durante seu crescimento. 

O longa As Marvels, o maior fracasso do MCU até agora, traz uma dinâmica de equipe incompreensível, em uma forçação de barra de sororidade que nunca existiu com essas personagens nas revistas. Não dá nem para saber qual é a jornada de cada protagonista, e a própria figura central age mais como uma vilã que se acha a heroína da própria história. Para completar, a cena final que remete aos Jovens Vingadores e o status quo de Nick Fury transformam a cronologia de eventos entre as séries Ms. Marvel, Gavião Arqueiro e Invasão Secreta em um pesadelo — e o que dizer dos braceletes cósmicos do herói Quasar transformados em um McGuffin que não faz o menor sentido?

Um bom exemplo dos quadrinhos que o cinema poderia mirar nesse momento de pasmaceira são as histórias do escritor Jonathan Hickman. Para cada arco que assume em alguma franquia, o escritor pensa em uma maneira específica de narrativa, assim como uma identidade visual capaz de sugerir sons e referências, e o desenrolar da trama com um jeito bastante autoral e inventivo de manter seu período sempre intrigante e imprevisível.

Em Infinito, por exemplo, a ópera espacial foi dividida em capítulos curtos em alta rotação de perspectivas, com um tipo de fonte e fluxo de narrativa que tornou a ópera espacial em um épico de grandes proporções, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo no mesmo nível de importância e perigo em vários cantos. Cada edição da coluna cervical da minissérie teve a cor de uma Joia do Infinito, e as revistas complementares de cada número principal seguiam a mesma tonalidade.

Hickman também inovou nos X-Men, ao criar duas revistas que estabeleceram pontos de partida para um desmembramento de dezenas de títulos. Muitos títulos apareciam e concluíam suas participações para dar lugar a outros, e assim era sempre possível se relacionar com algum tema ou personagem. Ele também criou uma cultura mutante, com celebração e idioma próprio, assim como comportamentos muito diferentes dos padrões da raça humana.

Há sempre boas inspirações para transformar uma narrativa ordinária em extraordinária. E se você quer um exemplo que funcionou bem demais, basta notar como as animações do Aranhaverso converteram o jeito de contar histórias das revistas em um animal próprio, com uma assinatura única. O cuidado com a movimentação dos personagens e o som, que é algo que não temos na Nona Arte, ajudaram os dois filmes lançados até agora a trazer inovações espetaculares.

Dinâmica de personagens enfadonha

Um dos aspectos mais broxantes dessa nova fase é que não há uma dinâmica de grupo em que cada herói demonstra seu pior e seu melhor lado desafiando e provocando um ao outro. Nos quadrinhos, quando Thor, Capitão América e Homem de Ferro estão juntos, os fãs correm para comprar e aproveitar esses momentos. Sabe por que?

Porque eles não aturam. O industrialista futurista bêbado não consegue suportar o soldado disciplinado e romântico dos anos 1940, ainda mais com um deus espacial vaidoso e arrogante. Quando eles estão separados, os Vingadores tomam surras homéricas. Mas quando se juntam, eles são imbatíveis, nada pode detê-los.

Esse é o tipo de dinâmica que a Fase 4 precisa. Ninguém beija ninguém nessa fase, ninguém xinga ninguém. Cadê o Demolidor criticando o legado de executivo bilionário de Stark, que é um contraste para seu crescimento miserável e religioso como filho de um boxeador fracassado que morreu sem glórias? Onde está o Homem-Aranha se tornando um herói questionador de lideranças como o Capitão América? Por que diabos reconciliaram o Namor com a Pantera Negra em um finalzinho piegas e tão doce que me deu cárie?

Enfim, isso tudo é o que tem causado o abandono das salas de cinema com os filmes da Marvel. A fadiga dos filmes de super-heróis não é uma coisa que tinha data para acontecer e simplesmente se instalou. Todos esses motivos acima é que minaram um pedacinho de cada vez o interesse do público.

E, para o MCU voltar a ter sucesso, é só o Kevin Feige distribuir com outra pessoa o bebê, assim como James Gunn faz com Peter Safran na DC Films. E, né, não custa dar uma voltinha na biblioteca da Marvel Comics: toda semana os autores estão tentando manter os personagens e o Universo Marvel em movimento — arriscar e errar não é perder, nem mesmo tentar é que é uma derrota.

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