Paty do Alferes – Ana Clara Rangel não quer passar a faixa de Rainha do Tomate. A maior honraria de Paty do Alferes, conhecida como a capital brasileira do tomate. Não é pouca coisa. A pequena e simpática cidade da serra fluminense é o terceiro maior produtor do fruto no Brasil e vem ficando cada vez mais famosa pelo cultivo protegido em estufas. Entenda por isso, 95% a menos de agrotóxico, o que interfere não só no sabor e na textura do tomate, mas na saúde de quem o consome. A reviravolta na lavoura se deu em razão do crescente número de doenças envolvendo transtornos mentais na cidade, a agricultura local mudou, e os pequenos produtores de Paty viraram esse jogo.
Um deles é o Bira da fazenda Seal, que fornece a maior quantidade de tomate “uva” para supermercados no Rio, além de São Paulo. “A altitude e a temperatura que não altera tanto do dia para noite favorecem a produção do tomate”, conta o filho, Juliano. São 15 anos de cultivo protegido, a partir de sementes compradas de uma empresa japonesa.
A produção agrícola de tomate em Paty do Alferes tem crescido, impulsionada por investimentos em sustentabilidade e apoio técnico do poder público. A exemplo de países como Espanha e Israel, os módulos do Bira têm uma tela laminada que reflete a luz e evita o calor em excesso. Ao lado das estufas (são cerca de 200 no total), a fábrica do Bira empacota o fruto e também outros produtos cultivados por ali: abobrinha japonesa, pepino japonês, mini pimentão, gengibre etc…
Estima-se mais de 150 produtores rurais em Paty, a grande maioria claro de tomate, tudo protegido, um chega para lá na cultura do agrotóxico. Saúde!
Eliane Rivello também é produtora (e ainda faz molhos artesanais), numa escala bem menor que o Bira – para quem ela vende parte da sua colheita -, agricultura familiar, mas faz bonito, e manda seu tomate italiano (San Marzano, o mesmo cultivado nas encostas do vulcão Vesúvio) para chefs e restaurantes do Rio, entre eles Malu Mello, que nasceu e foi criada por aquelas bandas, Fazenda Cantagalo, no bairro Coqueiros.
“Depois desse projeto de estufas em Paty, muitas famílias puderam voltar para o campo. A esperança de uma agricultura limpa veio junto”, diz Eliane.
Flores raras e comida deliciosa no fogão a lenha
Na prosa de Guimarães Rosa, a comida no fogão a lenha tem papel de protagonista. Ele apreciava galinha com quiabo e tudo que viesse da brasa daquele fogão típico do interior, de um sabor único. O verdadeiro savoir-faire do Brasil, que nenhum Michelin teve a honra de estrelar. No Orquidário Boa Vista (estrada de chão de terra batido), é fartura de comida deliciosa (angu, carne de panela, couve refogada, batatinha sauté…) depois de uma verdadeira aula sobre orquídeas raras, de diferentes partes do planeta.
“Veio da minha mãe este interesse pelas orquídeas, temos espécies raras aqui que custam R$ 10 mil e outras até por R$ 35 mil”, conta Marcos Antônio Scalia Baltar. A parte gastronômica do programa (R$ 80 por pessoa) é com Manuela da Silva, mulher do Marco, os pais do Estevão, filho mais novo do casal, que pinta (acrílico sobre tela) algumas das orquídeas do pai e coloca para jogo, dá para comprar também.
Cenário? Na histórica Fazenda Santa Tereza, tudo vem dali
Do suco ao café servidos na primeira refeição do dia à caipirinha no fim de tarde. Tudo que se come e bebe na histórica Fazenda Santa Tereza – um cenário de novela – é produzido ou ali mesmo ou – no caso do café – em algum vizinho. Isso acontece de uns anos para cá, quando a terceira geração da família, sobretudo Fred Ribeiro, assumiu o negócio e a propriedade de 1822, comprada pelo avô nos anos 1950. Tem clube do ovo com entrega e produtos da fazenda para entregas no Rio. E também hospedagem na fazenda para grupos (cerca de R$ 2 mil por pessoa pelo fim de semana e pensão completa).
É curioso, é gostoso, é quase milagroso andar pela Santa Tereza e perceber sinais de melhorias no tocante ao meio ambiente. “Firmamos um pacto da Mata Atlântica de reflorestar e regenerar a área que um dia foi pasto, inclusive com espécies que desapareceram deste bioma. E isso vai durar 30 anos”, me informa Fred, anunciando que já plantou mil mudas. Da horta, tem soja de edamame; do pomar, pitaya no pé e vários limões; do galinheiro (lindo), dezenas de galinhas felizes botando ovo caipira. “Elas são soltas para ciscar por aí e se alimentar de raízes e folhas, nada de galinha enclausurada.”
Cultivo protegido, mata regenerada e gastronomia caipira. O que podemos chamar de luxo, Paty do Alferes.
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