O novo Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol

Como costuma ocorrer nesta época do ano, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) publicou, nas últimas semanas, a versão atualizada de seu Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF).

Iniciou-se, então, um amplo debate acerca das suas principais modificações, sobretudo no que se refere à idade mínima para o registro de atletas e às consequências para os contratos de formação. Esta coluna se voltará, então, à análise dessas modificações, buscando contribuir para a sua interpretação.

Em resumo, podemos mencionar três alterações relevantes ao RNRTAF de 2024. São elas: a diminuição do prazo para que a federação providencie a desvinculação de um atleta amador que não possua contrato de formação de sua agremiação, de 15 para 7 dias; a previsão de limite para atletas emprestados no elenco; e a diminuição da idade mínima para o registro desportivo e para o cadastro de iniciação desportiva.

Com efeito, como já abordado anteriormente, o atleta amador que não possua contrato de formação pode solicitar, a qualquer momento, a baixa de seu vínculo federativo. É permitido a tais jogadores, portanto, vincular-se livremente a uma nova agremiação. Para isso, é necessário comunicar formalmente a federação estadual competente, que, então, terá um prazo para providenciar o desligamento do registro, sob pena de isso ser promovido diretamente pela Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD).

Ocorre, porém, que o prazo para que a federação fizesse isso era de 15 dias, tendo sido reduzido na edição atual do regulamento para 7. Apesar de sutil, trata-se de uma alteração relevante, pelo fato de que o período de 15 dias pode se mostrar excessivo para um jogador que tenha ânsia de se vincular a uma nova agremiação.

Além disso, o RNRTAF introduziu um limite para empréstimos nacionais. Assim, ao longo da temporada de 2024, cada clube só poderá emprestar até 20 jogadores e receber até 20 jogadores de empréstimos de outras agremiações. Já há, ainda, a previsão de que esse número se reduzirá, em 2025, para 18 e, em 2026, para 16. O que parece é que a intenção é coibir o excesso de contratações irresponsáveis, que muitas vezes flertam com transferências-ponte, bem como a elaboração artificial de elencos.

O regulamento excetua, porém, jogadores entre 15 e 21 anos, que estejam no clube há pelo menos 36 meses, que não serão contabilizados. É digno de nota o estranhamento da menção a jogadores com 15 anos, eis que esses não possuem a idade mínima para celebrar contrato de trabalho e, portanto, sequer poderiam ser emprestados.

Seja como for, o regulamento parece reconhecer a importância dos empréstimos para a transição de carreira dos jogadores vindos da base, que comumente ganham experiência de jogo a partir dessas transferências temporárias.

É interessante, ainda, que o RNRTAF prevê expressamente que essa regra também se aplica ao futebol feminino, muito embora os limites sejam contabilizados separadamente, isto é, sem que os atletas homens contem para o limite do elenco do futebol feminino e vice-versa.

Todavia, certamente a alteração mais polêmica diz respeito à redução da idade mínima para o registro de jogadores e para o cadastro de iniciação desportiva.

Até 2023, o regulamento previa a possibilidade de registrar atletas a partir dos 14 anos, idade em que podem celebrar contrato de formação. Além disso, para atletas entre 12 e 14 anos, já se autorizava o cadastro de iniciação desportiva. Aponte-se, desde já, que não parece haver clareza entre a diferença prática do registro e do cadastro.

De qualquer forma, seja com o registro ou com o cadastro, o vínculo do atleta com o clube passava a aparecer em seu passaporte desportivo, podendo ser contabilizado para fins de cálculo de mecanismo de solidariedade. Não se pode esquecer, nesse contexto, que, no âmbito internacional, os clubes tinham direito ao mecanismo de solidariedade a partir dos 12 anos do jogador.

Além disso, o período do cadastro de iniciação desportiva já podia ser útil para fins de contabilização do período mínimo de vínculo do atleta com o clube formador para que este último passasse a gozar dos seus direitos.

Como se sabe, os direitos de formação (em especial, o direito à celebração do primeiro contrato de trabalho e preferência à primeira renovação) apenas são gozados por clubes que tenham certificado de clube formador, bem como vínculo com o atleta em questão há mais de um ano. Ocorre que, a despeito da possível interpretação em sentido contrário, a CNRD possui jurisprudência no sentido de que o cadastro de iniciação desportiva já serve para fins de cálculo desse período.

Na prática, isso pode significar que um clube formador que celebre um contrato de formação com um atleta de 14 anos já passe a gozar, automaticamente, de seus direitos de formação, caso já possuísse vínculo anterior com o jogador, formalizado por meio de um cadastro de iniciação desportiva.

Pois bem. O RNRTAF deste ano reduziu a idade mínima para registro de jogador de 14 para 12 anos. Além disso, previu a possibilidade do cadastro de iniciação desportiva para atletas entre 7 e 11 anos.

Esse cenário tem levado à interpretação, por alguns, de que o regulamento autorizaria a celebração de um contrato de formação com um jogador a partir dos 12 anos. Afinal, a CBF não foi clara quanto à sua intenção na alteração da idade mínima para registro de jogadores, o que, certamente, pode ter sido resultado da pressão dos clubes, tendo, assim, causas políticas.

Convém ressaltar que o RNRTAF não prevê, expressamente, a redução dessa idade mínima, mas não deixou de causar certa discussão quanto ao tema.

Em outras palavras, o RNRTAF atual pode sugerir, como dito por um amigo da área, o “contrato de formação de Schrödinger”, que, assim como o gato do paradoxo do físico austríaco, neste momento, existe e não existe para atletas entre 12 e 14 anos.

A questão só será pacificada caso haja um posicionamento oficial da CBF ou uma interpretação da CNRD. No entanto, ao menos neste primeiro momento, a tese de que a idade mínima para a celebração do contrato de formação teria sido reduzida para 12 anos não parece convencer.

Na realidade, o próprio regulamento dispõe, em seu artigo 30, que os clubes formadores poderão registrar contratos de formação celebrados, justamente, com atletas com idade entre 14 e 20 anos. Além disso, essa regra não decorre apenas dos regulamentos da CBF, tendo, também, previsão legal.

Com efeito, tanto a Lei Pelé quanto a Lei Geral do Esporte preveem que apenas podem ser celebrados contratos de formação a partir dos 14 anos, idade a partir da qual pode haver também o alojamento de jogadores. O tema, inclusive, é alvo de controle pelo Ministério Público, de modo que parece extremamente questionável que a CBF pudesse, por meio de seus regulamentos, alterar essa idade mínima.

Parece mais adequado, portanto, considerar que o que o RNRTAF buscou foi, apenas, aumentar a segurança quanto à formalização do vínculo de jogadores de base com seus clubes, garantindo, assim, que tal circunstância conste em seus passaportes desportivos.

Um ponto que pode ter influenciado nessa decisão é o fato de que, por intermédio da Lei Geral do Esporte, o mecanismo de solidariedade nacional foi alterado para também abarcar a formação de jogadores a partir de 12 anos. Talvez o intuito seja, assim, dar, em âmbito nacional, o status de “registro” para o vínculo de jogadores a partir dessa idade, muito embora, como dito, não haja clareza quanto à diferença prática desse status para o do cadastro de iniciação desportiva.

Ademais, ao autorizar o cadastro de iniciação desportiva para atletas a partir dos 7 anos, a CBF resguarda os clubes de eventuais alterações nas regras de mecanismo de solidariedade. Afinal, caso haja a redução da idade considerada, seja no âmbito internacional ou nacional, as agremiações já terão registros desse vínculo.

Expostas, assim, as principais alterações do RNRTAF atual, aguarda-se atentamente seus desdobramentos práticos, com a esperança de ter contribuído para sua interpretação.

Alice Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em que cursa atualmente mestrado na área de processo civil, estudando as intersecções do tema com direito desportivo; atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados; é conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; é membra da IB|A Académie du Sport; e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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