Ao lançar EP ‘De volta pra Gaiola’, cantora conta ter vários vibradores no quarto: ‘Debaixo da cama deve ter uma mala cheia’ A gaiola, que simboliza prisão, tem outro significado para Valesca Popozuda. Como um passarinho que sai das grades e ganha o mundo, a cantora vem, a cada dia, se soltando mais de suas amarras. Com seu novo trabalho, “De volta pra Gaiola”, a artista experimenta gêneros diferentes do funk, que sempre a marcou. Em seu EP, lançado na última sexta-feira, com três músicas em duas versões cada (explícita e light), Valesca retorna aos proibidões. Mas com pagode, R&B e trap.
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— É uma proposta totalmente diferente de tudo que eu já fiz, embora continue falando da liberdade e do amor de maneira mais profunda — conta ela, aos 45 anos.
As canções são sobre relações amorosas das mais diversas formas, incluindo um romance entre duas mulheres. Como parte de seu projeto, ela ainda gravou vídeos para as redes sociais falando sobre sexo e liberdade feminina. Marcada por ter feito parte do grupo Gaiola das Popozudas, Valesca sempre quis cantar o não ao preconceito e ao padrão.
Até atingir o sucesso, no entanto, percorreu caminhos complexos. Filha de dona Regina Célia, foi criada com dificuldade apenas pela mãe. Aos 20 anos, quando se descobriu numa gestação de risco à espera de Pablo, seu único filho (hoje com 24), Valesca sentiu que a história da mãe seria reescrita por ela. Pronta para o combate, ela mudou a rota de seu destino e conquistou milhões de fãs, servindo de inspiração para muitas mulheres. Nas próximas páginas, a cantora se desnuda, não apenas para o ensaio da Canal Extra. Confira!
Valesca Popozuda
Felipe Vasconcellos/ Divulgação
Você está retomando aos proibidões, um tipo de música pelo qual muita gente tem preconceito. Como avalia essa nova fase?
Hoje, a galera lança música de mês em mês. Esse pessoal vem muito rápido, tipo ejaculação precoce (risos). O meu tempo é bem diferente. Levo de seis meses a um ano para lançar uma música. Eu gosto de ter tempo para trabalhar, burilar… Não preciso ter uma música em número um no Spotify ou ter música estourada para estar na ativa. Graças a Deus, eu faço show todo fim de semana. Mesmo assim, comecei a me questionar se valia a pena me encaixar nos padrões musicais atuais. Foi quando resolvi fazer um EP, resgatando os proibidões. Eu amo, meus fãs amam… Eu amo falar sobre sexo, prazer. Mas também tenho fãs que não curtem proibidões e, com esse novo trabalho, eles podem optar pela versão light, ficando à vontade para ouvir a Valesca em casa falando de amor.
Por que proibidão ainda choca tanto?
As pessoas realmente não estão preparadas, mas já melhorou. Choca falar de uma realidade, ainda mais quando é sobre o desejo da mulher. Antigamente, ninguém tocava nesse assunto, a família não conversava com o filho sobre o tesão, sobre perder a virgindade. Isso era muito vergonhoso. A minha mãe foi criada nesse mundo sozinha. Quando eu era adolescente, eu não sabia o que era sexo, eu não sabia o que era gozar, porque a minha mãe tinha vergonha de conversar essas coisas comigo. Quando eu perguntava algo, ela brigava. Inclusive, eu escondi dela quando fiquei menstruada. Tinha medo de falar. Muitas pessoas também foram criadas assim. Tá tudo bem, só que a gente tem que conversar com nossos filhos, com a sociedade, falar também sobre prevenção e sobre as doenças que estão aí. A gente tem que falar sobre sexo, vontades e suas consequências. Hoje minha mãe é aberta. Ela solta cada pérola…
Você fala que não está nem aí para as críticas. Mas já chegou a se abalar por conta delas?
Quando eu comecei na Gaiola com um público muito mais masculino, via a cara das meninas de nojo por eu estar expondo meu corpo. Os anos foram se passando e comecei a cantar sobre a liberdade da mulher, sobre a necessidade de entender nosso corpo, de falar sem ter vergonha, de ensinar como queremos ser tocadas. Eu queria que essas mulheres estivessem comigo. Mas as pessoas não entendiam. De certa forma, as críticas me machucavam sim. Eu não estava ali para invadir a privacidade de alguém. Se um homem tira foto sem camisa, é elogiado pelo tanquinho. Se uma mulher aparece desnuda, tem comentários do tipo “Nossa, cheia de celulite, que horrorosa, tá gorda… Isso vem das próprias mulheres. Mas comecei a debater com os homens e falar das nossas vontades. Por algum momento me machucou, mas depois eu pensei: “gente, isso é um trabalho a ser construído, né?”
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Você hoje serve de inspiração para muitas mulheres. Já ouviu alguma história que a tenha comovido muito?
Muitas mulheres chegam perto de mim e falam: “Como você foi necessária para mim um dia e continua sendo tão necessária, como você me ajudou a quebrar tabu, com seu jeito de ser simples”. Fui fazer agora um casamento de meninas e uma falou: “Nossa, eu cresci ouvindo você. Você me ajudou a ser puta e piranha, sem ter vergonha do que a sociedade ia falar”. Isso é muito bom. Isso me fortalece cada vez mais. Tô no caminho certo.
Você sentiu pressão estética? Sofreu por isso?
Sofria muito com a busca de uma perfeição, para estar dentro do “padrão”. Naquela época, por ser desejada, eu tinha que estar bem. No carnaval, tinha que ter corpão saradão, barriga zero, sem gordura nenhuma, passar fome, porque eu tinha que estar bem. Não podia ter nenhuma celulite. Ficava preocupada com o que a câmera ia mostrar. Me olhava no espelho e chorava. Me machuquei muito por causa disso. Meu sonho era ser capa de revista, mas muitos falavam que só quem era magra virava capa. Eu procurava saber o que tinha que fazer para poder me adequar. Pensava mais nas pessoas do que em mim. Como tinha perna saradona, resolvi fazer uma hidrolipo na região. Eu quase fiquei sem perna. Fiquei um ano escondendo, porque fiquei com hematomas por causa da necrose. Amava minhas pernas. Imagina o sofrimento de viver escondendo… Com o tempo, fui entendendo que não precisava me adequar a um padrão. Sou uma mulher de carne e osso. Tenho amor-próprio. Já tem tempo que não sofro mais com isso. Quero ser feliz.
Valesca Popozuda
Felipe Vasconcellos/ Divulgação
Como é a sua questão com a nudez?
Depois que tive meu filho, que foi de parto normal, eu não tive vergonha de mais nada. O ensaio para a Canal foi muito divertido. Eu balançava meu peito, brincava que precisava trocar meu piercing (ela tem um nas partes íntimas). Eu não tenho vergonha do meu corpo nem de estar nua na frente da galera. Me sinto tão à vontade, é uma liberdade. Eu não tenho maldade, ela está na cabeça das pessoas. Quer olhar? Olha! Eu amei essas fotos, ainda mais quando vi as referências. Eu olhei e disse “Uauuu”. Foi muito libertador.
O piercing nas partes íntimas precisa de algum cuidado especial?
É igual para qualquer parte do corpo. Nunca inflamou nada. Lavou, tá novo. Das vezes que fechava, eu ia lá e furava de novo. Não doeu nada para furar. Tenho vontade de colocar no bico do peito, mas dizem que dói. No nariz e no umbigo doeu mais que na perereca.
Como você descobriu o sexo?
Cada vez mais vou aprendendo e descobrindo. Eu perdi minha virgindade com 16 anos. Ainda demorei porque tinha medo. Tinha esse bloqueio. A primeira vez foi com um namorado. Foi um trauma porque não foi bom. Ele chegou ao ápice dele, mas eu não. Não foi aquela coisa básica do prazer. Você acha que gozou e foi muito bom, mas não foi. Eu achava que eu sabia tudo, mas eu não sabia nada. Até hoje eu acho que eu sei tudo e cada vez mais eu aprendo, sabe?
Outro assunto que é tabu é o sexo anal…
Amo fazer sexo anal. Fui descobrindo que eu tinha esse desejo… Mas a pessoa tem que me conquistar na cama para ganhar. Não é com qualquer um que pratico. Quando desperta o tesão profundo, eu preciso botar essa adrenalina pra fora. Aí eu libero. Sinto muito mais tesão no sexo anal do que no vaginal. Descobri que gostava quando experimentei um vibrador. Isso me leva às nuvens.
Valesca Popozuda
Felipe Vasconcellos/ Divulgação
Você tem algum brinquedo erótico inusitado?
Amo vibradores, tenho vários, perdi as contas. Do lado da minha cama deve ter uns cinco. E debaixo deve ter uma mala cheia. Eu era rata de sex shop. Tenho um consolo que é um pênis que cola na parede, que cola no chão. Também tenho um brinquedo em formato de coelhinho com várias funções, dá pra brincar legal. Quando tô com vontade, vou lá e uso. Às vezes, eles são melhores do que um homem. Prefiro mil vezes eles do que ter um homem ao meu lado.
Permanece solteira? Como está curtindo esse momento?
Já estou solteira há seis anos. Sou muito romântica, apesar de não parecer. Como falo muito sobre a vida, sexo e liberdade, as pessoas se assustam com isso. Mas estou solteira porque eu quero. Tô vivendo esse momento da minha vida com essa liberdade, sem ter que dar satisfação para ninguém. Às vezes, no fim de semana, quando tô em casa sozinha, penso que podia ter um namorado, ir ao cinema… Mas esse pensamento só dura meia hora. Logo esqueço e não quero mais nada. Só de pensar em um relacionamento me dá preguiça. Eu não tô buscando, mas também não tô me esquivando. Se tiver que acontecer, vai acontecer. Gosto muito dessa liberdade de ir pra rua, de beijar, de transar… Gosto de ser livre para ser o que quiser. Já estou há seis anos sem me trancar dentro da gaiola (risos).
Você viveria um relacionamento aberto?
Eu até conheço pessoas que estão nesse tipo de relacionamento, mas não é a minha praia. Seria uma experiência nova pra mim. Sou muito intensa, quando eu gosto, sou ciumenta. Ver uma pessoa que eu amo se relacionando com outra pessoa… Não sei como seria na minha cabeça. Não me sinto preparada para isso neste momento, mas, como estou há tanto tempo sozinha, já não sei mais como poderia ser a relação.
Você já pensou em apresentar um programa sobre sexo esclarecendo dúvidas?
É meu sonho. A gente, inclusive, vem trabalhando muito para isso acontecer. Sempre tive muita vontade mesmo de sentar e conversar. Lembro que a Monique Evans tinha um programa desse antigamente e eu assistia, sou fã dela.
Na época da Gaiola, você chegou a receber alguma proposta em troca de sexo?
A gente recebia propostas direto. Até hoje no meu Direct o povo fica perguntando quanto eu cobraria para sair. Eu não tenho nada contra a prostituição. É um trabalho honesto, tem que ter muita disposição para deitar na cama com um homem que você não conhece. Eu admiro a luta dessas mulheres. Não deve ser fácil. Mas eu nunca me deixei vender. Dentre as propostas que recebi tinham: “Te dou R$ 100 mil”, “Te dou R$ 50 (mil)”. Faziam tudo para mexer com a minha cabeça. Só que eu não estava ali para ser comprada. Se eu quisesse ir, aceitaria pelo meu desejo.
Valesca Popozuda
Felipe Vasconcellos/ Divulgação
Como você se descobriu bissexual?
Eu já tinha beijado uma menina lá atrás, mas, há seis anos troquei carícias com outra mulher, quando terminei meu relacionamento. Eu estava numa festa, a gente começou a se beijar, aí comecei a sentir tesão. Uma doideira! Me deixei levar e fiquei com essa pessoa. Curti muito! Eu quero viver outras situações como essa, e vou deixar essa experiencia maravilhosa permanecer em minha vida. Não vou me bloquear. Eu me permito viver.
Como foi sua infância?
A minha mãe foi jogada bebê num colégio interno, onde foi criada. O doce que mais ama hoje é goiabada, porque ela via as pessoas levando a sobremesa para suas colegas. Ficava aguada porque não tinha ninguém para levar a dela. Tanto que a primeira vez que comprou uma lata de goiabada, comeu inteira. Quando tinha 16 anos, teve que sair do colégio para trabalhar em casa de família. A patroa dela propôs me criar e me dar tudo que eu precisava, mas minha mãe não quis me entregar e foi expulsa do emprego. Foi então trabalhar como trocadora de ônibus, enquanto eu ficava numa comunidade em Vicente de Carvalho (Zona Norte do Rio). Quase morri porque as pessoas não cuidavam direito de mim. Meu umbigo quase apodreceu. Depois, ela conheceu o Luisinho, meu ex-padrastro, que me criou como pai. Foi aí que fomos morar em Irajá (Zona Norte do Rio). Só aos 12 que fiquei sabendo a verdade sobre meu pai biológico através de um fofoca. Eu o conheci, mas não cheguei a criar vínculo afetivo. Ele até tentou fazer por mim o que ele não fez quando era criança, mas já estava criada. Não precisava nem do sobrenome dele mais. Até hoje só tenho o nome da minha mãe nos documentos. Eu não quis ter o sobrenome dele. Pra quê? Fui feliz até agora assim e vou continuar sendo feliz, isso não vai me mudar. Um sobrenome não vai agregar nada hoje.
Por que você saiu de casa aos 14 anos?
Minha mãe vivia se mudando por conta do trabalho do meu padrasto, que era arquiteto. Nessa época, eu namorava um menino e, quando minha mãe falou que ia se mudar de novo, eu falei que não ia. Até menti para ela falando que eu ia morar com meu pai, mas ele nem sabia de nada. Fui morar com a família do namorado. Fiquei vivendo lá pouco mais de dois anos e, depois, conheci amigas. Saí desse relacionamento porque me sentia sufocada. Não podia sair com minhas amigas nem ir a um shopping, por exemplo. De certa forma, foi abusivo. Fui viver com as meninas, mas cheguei a morar na rua, quando tentamos mudar para o Estácio. A gente ia alugar um quarto na casa de um cara, mas o espaço já estava ocupado. Não sobrou outra opção. Dois dias depois, conseguimos um lugar pra ficar. Minha amiga trabalhava num restaurante, e eu esperava ela chegar com o resto de comida para eu comer. Depois, comecei a trabalhar sem saber o que seria meu destino. É muita história. Estamos organizando um documentário sobre minha vida, quem sabe não pinte até o final de 2025!
Quais foram seus primeiros trabalhos?
Meu primeiro trabalho foi servindo saladas num restaurante. Quando saí de lá, fui ser frentista de um posto na Avenida Maracanã. Na sequência, fiz figuração na Globo, e me encantei pelo mundo artístico. Só não consegui continuar porque engravidei e, como era uma gestação de risco, tive que ficar com minhas pernas para o alto sem fazer esforço.
Como encarou esse momento?
Por um momento pensei em tirar meu filho, porque eu comecei a ter gatilhos. Pensei que passaria tudo que minha mãe tinha passado sem ninguém para me ajudar. Quando contei da gravidez, ela me apoiou e disse para eu não fazer isso. Afirmou que não passaríamos fome e que ela estava ali para me dar as mãos. Depois que o Pablo nasceu, voltei a trabalhar no posto de gasolina e também vendia coisas de casa para complementar a renda. Eu não tinha como dar um leite para meu filho. Não tinha fralda. Tinha que lavar os panos para o Pablo usar. Busquei uma instituição que me dava uma cesta básica a cada 15 dias. Chegava em casa feliz com o saco de mantimentos.
Valesca Popozuda
Felipe Vasconcellos/ Divulgação
Você mora com quem?
Moro com meu filho em Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio). Eu falo que minha casa é como um hotel para ele, por que Pablo vai e volta, viaja muito por causa do trabalho (ele trabalha com Twitch, um serviço de streaming de vídeo ao vivo, além de ser cantor). Só vem em casa para trocar de mala (risos). Fico mais sozinha, mas minha irmã Julia fica muito comigo, porque me ajuda nas coisas rotineiras.
Como é a sua relação com o Pablo?
Antes de ser meu filho, ele é meu amigo. Busquei dar uma educação semelhante a que recebi da minha mãe, mas falando sobre sexo com ele, por exemplo. Ele ouvia meus proibidões em casa e nunca foi pra escola replicar o que ele escutava. Nunca escondi nada dele sobre o universo lá fora, porque a gente cria os filhos para o mundo. Pablo sempre tentou me defender dos julgamentos que faziam de mim, mas, desde o início, deixei claro que ele ouviria muita coisa sobre a mãe. Se tivesse alguma dúvida, que perguntasse para mim.
O pai dele deu algum tipo de ajuda na criação?
Fui mãe solo. Criei meu filho sozinha, com o apoio da minha mãe. Ele até tem contato com o pai, mas é ele lá e eu aqui.
Ao longo de sua trajetória, você se envolveu com dívidas. Como driblou a situação?
Quem nunca teve o nome no SPC? Na gravidez, passava vários cheques sem fundos. Eu tinha que comprar o leite do meu filho. Nessa época, meu nome ficou mais sujo que meu pé descalço. Ao longo do tempo, com o trabalho, fui limpando aos poucos. A gente passa por altos e baixos, não é fácil. Já perdi um apartamento. Eu precisava investir no meu trabalho porque só com os shows o dinheiro não dava, mas aí veio a pandemia… Não consegui pagar a dívida.
Você acredita em Deus?
Sim. Tenho minhas crenças, cuido dos meus orixás, exus … Cuido de todos porque são os caminhos da minha vida. Mas acredito que Deus está em tudo e também se apresenta em todas as religiões de forma diferente. Frequento lugares onde me sinto bem. Só não gosto de me limitar. A gente tem que acreditar, e uma coisa é certa: eu sou uma mulher de muita fé.
Créditos:
Texto: Thomaz Rocha
Edição: Camilla Mota
Fotos: Felipe Vasconcellos @fbvasconcellos
Produção de moda: Anas.Ca’s Styling @anacas.styling
Beleza: Dan Blaz @danblaz_
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