Kunitsu-Gami, da Capcom, devolve sentimento de descoberta nos videogames – Review

Kunitsu-Gami: Path of the Goddess foi uma das grandes surpresas da Capcom na temporada de anúncios do ano passado. E eu digo isso da forma mais literal da expressão, já que é comum esperar que as grandes desenvolvedoras se atenham às suas marcas já bem estabelecidas e conhecidas, quase como uma fonte de dinheiro garantida.

No entanto, esta nova propriedade intelectual é um sintoma, no sentido mais elogioso, da atual fase de ouro vivida pela companhia de Monster Hunter e Resident Evil, que está confortável o bastante para abraçar experiências diferentes, autocontidas e sem grandes ambições. É um ar fresco em uma indústria que sobrecarrega seus trabalhadores com ciclos de desenvolvimento cada vez mais longos e tumultuosos, sacrificando todo o processo criativo.

As aproximadas vinte horas que passei com Kunitsu-Gami: Path of the Goddess foram recheadas de sentimento de descoberta e entusiasmo. É algo que costumávamos experimentar com mais frequência nas antigas gerações de videogames, mas que se perdeu com essa obsessão por projetos megalomaníacos.

Ficou curioso para saber mais? Confira, nas linhas a seguir, os detalhes no review completo do Voxel. Vale lembrar que o jogo chega em 19 de julho com versões para PC, PS4, PS5, Xbox One e Xbox Series, incluindo Game Pass.

O que é Kunitsu-Gami: Path of the Goddess?

O jogo é uma mistura de estratégia com ação em tempo real, envelopado por uma estética de Japão tradicional que traz dança, pinturas e demônios para oferecer um estilo marcante. É uma premissa simples, mas muito competente na sua execução e que pode servir de porta de entrada para muitos iniciantes no gênero de estratégia, que é conhecido por ser intimidador.

Os jogadores assumem o controle de Soh, que é um guardião que deve guiar a sacerdotisa Yoshiro na tarefa de purificar o Monte Kafuku, que é uma terra sagrada, da maculação provocada pelo pecado do homem. É um mundo em que o reino dos humanos e dos espíritos estão intimamente conectados através de portões Torii (símbolos xintoístas), por onde vários demônios são liberados e propagam a contaminação.

O Monte Kafuku é composto por inúmeros vilarejos que foram atingidos pela infestação, e cada um representa uma fase. Por isso, é possível fazer partidas rápidas e jogar no seu ritmo. A ideia é chegar até a base da montanha, como parte da peregrinação, e restaurar os vilarejos para ganhar recompensas. Está muito longe de ser um jogo narrativo e essa nem é a intenção, mas ele traz simbologias e deixa interpretação por conta do interlocutor.

A sacerdotisa Yoshiro deve purificar o Monte Kafuku em uma jornada nobre, mas também melancólicaFonte:  Reprodução/Bruno Magalhães 

As partidas se desenrolam em dois ciclos: dia e noite. De dia, Soh deve traçar um caminho até o portão Torii maculado, utilizando cristais que servem como uma fonte de energia. Desta forma, a sacerdotisa pode realizar o seu rito de purificação enquanto se aproxima lentamente do objetivo com a sua dança.

Enquanto isso, é importante explorar o cenário para buscar recursos e resgatar aldeões, que também podem ser transformados em guerreiros ao atribuí-los máscaras desbloqueáveis — que equivalem a classes. Nem sempre conseguimos cristais o bastante para traçar o caminho de uma só vez até o portão Torii, então é preciso prestar atenção onde você quer posicionar a sacerdotisa.

Com a chegada da noite, os portais se abrem e hordas de demônios são liberadas com o objetivo de matar a sacerdotisa Yoshiro. Então cabe ao jogador e aos aldeões, agora guerreiros, a tarefa de protegê-la. É possível atacar os monstros no melhor estilo character action — com direito a combos, parry e habilidades especiais para dano ou suporte.

Kunitsu-Gami também brinca com seus objetivos, incluindo estágios de sobrevivência sobre barcosFonte:  Reprodução/Bruno Magalhães 

Além disso, há um “modo tático” bastante simplificado em que é possível dar ordens às suas unidades, posicionando-as em locais estratégicos para conter as ofensivas. É preciso fazer isso até o amanhecer, momento em que será possível conduzir a sacerdotisa novamente até o portão para a purificação.

Parte da estratégia do jogo é investigar por onde os inimigos vão sair e como posicionar suas unidades, incluindo a própria Yoshiro. Também existe a opção de cuidar de uma rota sozinho ou depender somente dos seus aldeões. Todas as fases introduzem alguma mecânica ou desafio diferente, então o jogo sempre traz vários estímulos para que o jogador continue interessado.

Surpresas e margem para personalização

Ainda nesse clima de variedade, o jogo chama atenção pelo seu elenco de demônios. Mesmo na reta final, mais deles são apresentados pela primeira vez e adicionam novas camadas de complexidade. Isso também vale para chefes, que são enfrentados em fases à parte e esbanjam boas decisões de design.

Além disso, os estágios introduzem vários tipos de engenhocas espalhadas pelos cenários e que podem ser erguidas com a ajuda de um carpinteiro, colaborando com o sentimento de descoberta e dando mais liberdade ao gameplay.

E não para por aqui: também há bastante variedade de classes, que são destravadas sempre ao derrotar um chefe. Elas também podem ser melhoradas ao gastar recursos, incluindo um acréscimo de atributos básicos ou até mesmo acesso a habilidades mais poderosas.

A variedade de inimigos em Kunitsu-Gami é garantia de que o jogador sempre terá de lidar com o imprevisívelFonte:  Reprodução/Bruno Magalhães 

Vale destacar, também, um sistema de talismãs que concede bônus passivos ao personagem principal. Eles são coletados durante a exploração diurna e completando desafios de cada fase, que são muito bem pensados e valorizam o fator replay. Há pelo menos sessenta talismãs e alguns deles têm até mesmo o objetivo de deixar o jogo mais desafiador, para quem tiver interesse.

Toda essa estrutura poderia ser muito intimidadora em um jogo de estratégia mais tradicional, mas a execução de Kunitsu-Gami: Path of the Goddess é muito convidativa para jogadores casuais. Só que isso não quer dizer que seja um jogo particularmente fácil: ele vai exigir que você explore todas as mecânicas para superar os obstáculos, respeitando o seu tempo e tomadas de decisão.

Mas isso também não significa que seja uma experiência punitiva. O jogador pode a qualquer momento reverter melhorias, sem penalidade nos recursos, para valorizar a experimentação. E isso é sem dúvidas o seu ponto mais positivo: a possibilidade de vencer fases por meio de várias abordagens. É muito satisfatório quando nossa estratégia funciona e isso abre um leque para testar novas ideias.

O jogo também traz um New Game+ após o término da campanha, com novos desafios e recompensas. Não tenho a permissão de entrar em detalhes, mas com certeza é um incentivo para aqueles que quiserem aproveitar tudo o que o título tem a oferecer.

Interface de usuário e visuais

Como já deve ter ficado claro, o jogo mergulha de cabeça na estética de Japão tradicional. Isso é muito perceptível pela sua interface de usuário, que lembra pinturas de Emakimono e faz uso constante da caligrafia japonesa. Para trazer mais fidelidade, o time de desenvolvimento produziu maquetes de cenários e objetos que, depois, foram escaneados e convertidos para o jogo.

Um reflexo disso é que a página de melhorias do jogo se passa em uma bancadinha com cordões, almofadinhas para os talismãs e todo um conjunto de máscaras com as quais é possível interagir. Cada um desses itens representa um menu distinto para melhorar seu personagem e aldeões. Há também doces tradicionais japoneses, os wagashi, que não passam de colecionáveis. Mas até nisso o jogo é charmoso, já que é possível servir a sacerdotisa nos momentos de calmaria e ler curiosidades sobre as iguarias.

Kunitsu-Gami traz uma seleção de fases, no melhor estilo videogame da experiênciaFonte:  Reprodução/Bruno Magalhães 

Embora a interface seja muito bonita, ela também traz alguns problemas na experiência de usuário. Por exemplo, é um pouco burocrático para alternar entre as classes de guerreiros na tela de melhorias e a lista de talismãs, que é imensa, não traz uma função para navegar somente entre os que já estão desbloqueados.

A proposta de ser um “jogo de estratégia” mais simples também tem seus pontos negativos, já que o jogo não traz algumas conveniências do gênero. Por exemplo, o modo tático é limitado ao raio de ação do seu personagem principal. Por isso, você precisa se locomover pelo cenário para observar melhor o que está acontecendo.

Isso também vale na hora de movimentar unidades: o ideal é que você já esteja, fisicamente, onde você deseja posicioná-las. Não ajuda o fato de que o mapa é um pouco confuso e demora para mostrar elementos importantes, como os portões de onde os inimigos vão sair, a menos que você esteja perto o suficiente para isso.

Os menus de Kunitsu-Gami remetem à delicadeza do artesanato orientalFonte:  Reprodução/Bruno Magalhães 

Também faz falta a possibilidade de acelerar as hordas. Embora o protagonista Soh consiga acelerar a passagem do dia para iniciar uma horda, não é possível executar esse comando à noite. Há momentos em que o jogador dá conta rapidamente de uma leva de inimigos e fica um tempo considerável esperando algo acontecer, fazendo com que a partida dure mais do que o necessário.

No entanto, tudo isso pode ser corrigido facilmente com atualizações de qualidade de vida. Além disso, o jogo estimula o jogador constantemente com novidades a ponto de não dar tempo de se incomodar tanto com esses pormenores. No geral, a experiência é bastante satisfatória.

Vale a pena?

Kunitsu-Gami: Path of the Goddess é um lembrete de que os videogames vão muito além das velhas fórmulas recicladas que, no fim, só servem para agradar aos acionistas. Ele é um jogo de estratégia e ação que exala charme e competência em um gameplay que parece simples, mas entrega profundidade o bastante para valorizar o fator replay.

É muito gratificante como o jogo recompensa o jogador nas atividades mais banais, além de renovar a experiência a cada fase com o seu sempre crescente rol de demônios. A variedade de classes e opções de personalização também é um chamariz e valoriza as tomadas de decisão do jogador em cenários que estão em constante mudança. Afinal de contas, o posicionamento da sacerdotisa, no seu caminho até o portão Torii, vai acarretar novas circunstâncias e definir todas as suas linhas de defesa.

A narrativa do jogo é o seu elemento mais fraco, mas está longe de ser um ponto de venda. Ela é basicamente um pano de fundo para justificar o próprio jogo. Ainda assim, ela é instigante e abre margem para interpretações, mirando sobretudo os entusiastas da arte e cultura japonesa tradicional.

No fim, o que fica é o desejo de que a Capcom e outras grandes empresas da indústria abram espaço para mais jogos autocontidos e despretensiosos, dando mais voz à pluralidade de ideias dos seus times de desenvolvimento. Kunitsu-Gami: Path of Goddess pode passar fora do radar de muitas pessoas, mas com certeza vale experimentar. Afinal, o jogo tem uma versão de demonstração grátis e estará disponível para assinantes do Xbox Game Pass já a partir do lançamento.

Nota do Voxel: 85

Pontos positivos (prós):

  • Gameplay viciante e fácil de entender;
  • Fases que sempre apresentam novidades;
  • Variedade de talismãs e classes para personalização;
  • Direção artística;
  • Localização em português do Brasil

Pontos negativos (contras):

  • Interface de usuário confusa;
  • Podia ser mais confortável de selecionar e controlar unidades;
  • Ausência de uma opção para acelerar as hordas.

A cópia de Kunitsu-Gami: Path of the Goddess foi fornecida pela assessoria de imprensa da Capcom para a produção desta análise no PS5. O jogo chega oficialmente em 19 de julho com versões para PC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series e Xbox Series X, incluindo Game Pass.

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