A Gaviões da Fiel, principal torcida organizada do Corinthians, iniciou nesta semana uma movimentação que tem como o objetivo o pagamento da dívida do clube com a Caixa Econômica Federal, relativa a um financiamento feito em 2013 para a construção da Neo Química Arena.
Com o passar dos anos, o Corinthians não conseguiu efetuar os pagamentos e a dívida que começou em R$ 400 milhões já ultrapassa os R$ 700 milhões.
Além da crise financeira, o Corinthians também atravessa uma grande turbulência política. O caso da VaideBet, ex-patrocinadora máster que abandonou o clube por conta de indícios de corrupção envolvendo o acordo, gerou uma grande desconfiança por parte da torcida.
A ideia da Gaviões é, nesse cenário, utilizar a força da torcida, uma das maiores do Brasil, para tentar quitar a dívida do Corinthians com a Caixa a partir de uma “vaquinha” on-line, modelo em que qualquer pessoa pode doar.
Contatado pela Máquina do Esporte, a Caixa Econômica Federal informou que “não se manifesta sobre operações de crédito e estruturação de dívidas específicas em razão do sigilo bancário”, mas afirmou que “ouviu representantes da torcida do Corinthians e avalia a viabilidade de sua operacionalização”.
Legalmente, de acordo com o advogado Gustavo Lopes, especialista em direito esportivo, nada impede que a Gaviões da Fiel pague a dívida no lugar do Corinthians — sem envolvê-lo—, desde que a Caixa aprove o movimento.
“Não há ilegalidade nenhuma neste movimento. Qualquer pessoa pode iniciar vaquinhas para ajudar alguém em momentos específicos. Uma vez arrecadado este dinheiro, a torcida teria dois caminhos: doar para o Corinthians ou se subrogar nos direitos, ou seja, passar a ser o credor do clube no lugar da Caixa”, disse.
Uma das possibilidades do projeto envolve a criação de uma chave pix que esteja ligada diretamente ao banco credor, para que as doações sejam direcionadas diretamente ao pagamento do empréstimo. Assim, os valores doados abateriam a dívida em tempo real, movimento que poderia ser acompanhado pelos torcedores.
Na opinião do advogado André Oliveira, com passagem por América-MG e Cruzeiro, porém, essa estratégia pode ser perigosa, principalmente pela possibilidade da aplicação de diversos golpes fraudulentos.
“A questão de risco é que, sendo um Pix, uma coisa de mais fácil acesso, existe a possibilidade de diversos golpes. Certamente vão aparecer pessoas dizendo que estão recolhendo dinheiro para o Corinthians”, ponderou.
Caso o projeto não seja aceito pela Caixa, existem outras possibilidades que podem ser seguidas. A torcida organizada poderia, por exemplo, se amparar em mecanismos que lhe confiram a garantia de que o dinheiro doado ao Corinthians seja direcionado para o pagamento da dívida.
Segundo Lopes, os torcedores poderiam seguir diversos caminhos, que não necessariamente dependeriam da aprovação da Caixa e, ainda assim, poderiam superar a desconfiança da torcida com a diretoria.
“Dá para fazer uma engenharia jurídica para que os torcedores tenham a garantia de que os valores sejam direcionados para as finalidades que eles querem. Seja por meio de uma doação com fins específicos ou de um pacto triangular entre Caixa, torcedores e o Corinthians. É só conversar”, apontou.
“Se a intenção for ajudar o clube sem motivação política, visando apenas sua recuperação financeira, é muito fácil fazer um acordo. Seria possível até mesmo uma campanha conjunta, em que a Gaviões e o próprio Corinthians convidassem os torcedores para participar”, completou.
Ainda que o projeto da Gaviões se concretize e a dívida ao menos diminua com o auxílio dos torcedores, a situação do Corinthians não irá da água para o vinho.
De acordo com o Relatório Convocados 2024, feito em parceria com a Outfield e a Galapagos Capital, que analisa as finanças dos clubes brasileiros, o Timão encerrou 2023 com uma dívida líquida que supera R$ 1,89 bilhão, com um aumento de 84% em relação ao ano anterior, salto explicado justamente pelo débito relativo ao estádio.
Mesmo que o valor devido à Caixa pela construção do estádio seja quitado, o Corinthians ainda seria dono da segunda maior dívida entre os clubes que disputaram a Série A do Brasileirão. No ano passado, só contando outros débitos, o clube fechou o balanço com endividamento de R$ 1,191 bilhão. Nesse cenário, ficaria atrás apenas do Botafogo, que encerrou 2023 com dívida líquida de R$ 1,3 bilhão.
“A dívida não é impagável. O Corinthians é gigante e vale muito mais do que R$ 2 bilhões”, avalia Lopes.