A guerra declarada entre Javier Milei e a Associação do Futebol Argentino (AFA) entrou numa fase de escalada das agressões, com o governo retaliando a entidade e os times, por conta da derrota que sofreu na semana passada.
Para se vingar da reeleição unânime de seu desafeto Claudio Tapia à frente da entidade que comanda os rumos do futebol no país sul-americano, Milei decidiu atacar os benefícios fiscais que eram garantidos aos clubes.
O presidente argentino chegou a ameaçar barrar judicialmente a recondução de Tapia no comando da AFA, que encabeçou a chapa única na eleição da entidade. O dirigente ficará no cargo até 2029, situação que representa um duro golpe ao governo Milei, que tenta impor ao futebol argentino o modelo das Sociedades Anônimas Desportivas (SADs, que seriam estruturas em sistema parecido ao das brasileiras SAFs).
A disputa de Milei com a AFA e os clubes é política (mas não apenas isso), já que teve início ainda durante o processo eleitoral do ano passado, quando vieram a público declarações feitas pelo então candidato em uma entrevista concedida meses antes, na qual ele defendia a transformação dos clubes em SADs.
Na época, praticamente todos os principais clubes da Argentina emitiram posicionamentos oficiais repudiando a ideia do futuro presidente do país.
Mais tarde, na eleição do Boca Juniors, quando o ex-jogador Juan Román Riquelme derrotou o grupo do ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, o tema SAD voltou a pauta os debates, com os sócios do clube de maior torcida do país optando, majoritariamente, pela chapa que se mostrava contrária à adoção da Sociedade Anônima.
Nesse meio tempo, o governo Milei emitiu decretos abrindo a possibilidade para que os clubes se tornassem SADs. No entanto, a AFA realizou um movimento contrário, proibindo a seus associados a utilização de investimentos externos, no modelo similar ao defendido pelo governo.
A guerra de Milei contra a AFA e os clubes envolve, portanto, mais que política, mas também a própria concepção sobre o que é o futebol no país e como ele deve ser gerido.
Qual é o plano Milei?
Em sua tentativa de se vingar de Tapia, Milei resolveu criar uma comissão para discutir isenções fiscais sobre encargos sociais que beneficiam os clubes associados à AFA.
O grupo (que contará com 11 indicados por Milei e quatro nomes ligados à AFA) irá trabalhar por seis meses, com a finalidade de levantar as renúncias fiscais que o ex-presidente Alberto Fernández e o ex-ministro da economia Sergio Massa (derrotado por Milei na eleição presidencial) colocaram em vigor a partir de outubro de 2023.
O governo alega que haveria um descompasso de Arg$ 7,1 bilhões (algo em torno de R$ 41 milhões, pela cotação atual) entre os impostos que deveriam ter sido pagos pelos clubes e o que eles de fato arrecadaram em tributos.
No fim de 2023, o peronista Fernández revogou decreto de seu antecessor Macri, que havia elevado de 6% para 7,25% os tributos sobre venda de ingressos, negociação de atletas e direitos televisivos.
O governo Fernández também garantiu aos clubes o acesso a empréstimos, financiamentos e parcelamentos, que agora estão sendo suspensos por Milei.
Nessa disputa de narrativas, por ora o governo Milei toma o cuidado de centrar fogo na AFA, alegando que não pretende cobrar os clubes, mas sim a entidade que comanda o futebol no país. Dessa forma, evita atrair para si a fúria das torcidas.
Isto não significa, porém, que esse golpe surtirá o efeito desejado. O governo de Milei, ainda que tente sufocar a entidade financeiramente, não terá como intervir na AFA, sob pena de a seleção argentina (atual campeã da Copa do Mundo) e os clubes do país serem excluídos das principais competições internacionais oficiais.
Recentemente, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) ameaçou aplicar essa punição ao Brasil, em retaliação à decisão da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, que afastou Ednaldo Rodrigues da presidência da Confederação Brasileira de Futebol.
Caso a AFA consiga se esquivar da cobrança feita pelo governo, o passivo recairia sobre os clubes, que também ficarão sem acesso a financiamentos e linhas de crédito facilitadas. Isso poderia levar o futebol argentino à paralisia, devido à falta de dinheiro. Nesse caso, além dos dirigentes, Milei passaria a ter como desafetos os próprios torcedores dos times prejudicados financeiramente.