Em disputa com Vasco, 777 Partners enfim se movimenta para tentar reverter prejuízo

Quando o fundo de investimentos norte-americano 777 Partners assinou contrato com o Vasco, em setembro de 2022, para a compra de 70% da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do clube, o clima entre as partes envolvidas no negócio era de lua de mel.

O tempo passou e, mesmo após o fundo investir nas contratações de medalhões como o francês Payet ou o argentino Vegetti, o Gigante da Colina não apresentou bom futebol em campo e quase foi rebaixado para Série B do Brasileirão 2023, salvando-se apenas na última rodada.

A relação da dona da SAF com o clube foi se deteriorando, sobretudo após surgirem as primeiras notícias ruins envolvendo o fundo de investimento, vindas inicialmente do exterior, mas que acabaram por influenciar os rumos desse negócio, aqui no Brasil.

Desde que essa, digamos, “maré de azar” teve início, a 777 Partners optou por não apenas permanecer em silêncio, como também inerte. Mais do que acuada, ela estava nocauteada.

A situação vivida por ela era complexa, já que era alvo de denúncias, processos e questionamentos em diversos mercados nos quais atua, desde sua matriz, nos Estados Unidos, passando por Austrália, Bélgica e Itália, até chegar ao Brasil, onde acabou sendo afastada do controle da SAF do Vasco, graças a uma liminar da 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, concedida em favor clube.

Nos últimos dias, porém, a 777 Partners resolveu enfim se movimentar. Apuração feita pela Máquina do Esporte constatou que a empresa tem buscado medidas para tentar, ao menos, reaver o prejuízo referente aos investimentos realizados no Brasil.

A movimentação tem ocorrido sobretudo na esfera judicial. A principal esperança do fundo de investimentos reside no agravo interno que questiona a decisão judicial de segunda instância, que manteve a liminar responsável por afastar a empresa do controle da SAF.

A 777 aguarda ainda a indicação do presidente da corte arbitral mediada pela FGV, que tentará solucionar essa disputa com o clube.

Por enquanto, fontes ligadas à 777 Partners evitam comentar quais são os planos da empresa, em caso de uma decisão favorável. Ao que tudo indica, porém, dificilmente haveria clima para que ela permanecesse no clube. De qualquer modo, ela conseguiria reaver parte do capital investido, numa eventual venda da SAF a outro controlador.

“O objetivo da 777 é reaver seus direitos”, afirmou uma dessas fontes, que terá a identidade mantida em sigilo.

Críticas ao processo judicial

Segundo apurou a Máquina do Esporte, a 777 Partners considera ter sido vítima de violência judicial, uma vez que dispositivos do contrato com o Vasco não teriam sido observados na sentença que a afastou do controle da SAF.

No caso da alegação de que a empresa teria atrasado o pagamento da segunda parcela de compra da Sociedade Anônima, o argumento é de que não haveria inadimplência, já que o contrato prevê um prazo chamado de período de “cura”, de 30 dias, em que o valor devido pode ser quitado, sem que isso afete o andamento do negócio.

A liminar que afastou a 777 Partners do controle da SAF, em maio deste ano, foi solicitada antes do vencimento da terceira parcela da compra, no mês de setembro. A justificativa usada pelo clube para requerer a suspensão dos direitos societários da empresa baseava-se nas notícias do processo movido nos Estados Unidos pela Leadenhall, que acusa a empresa de tomar empréstimo de US$ 350 milhões (R$ 2,16 bilhões, pela cotação atual), oferecendo como garantia fundos que não lhe pertenciam ou que sequer existiam.

Basicamente, o pedido de liminar se baseava no temor de que a 777 pudesse não honrar com a terceira e maior parcela de compra da SAF. O processo corre em segredo de Justiça, mas a Máquina do Esporte apurou que essa quantia seria em torno de R$ 370 milhões.

As fontes ouvidas não souberam informar se a empresa dispunha de fato dessa quantia em caixa, embora alegasse que tinha intenção de pagar a parcela.

Conforme apurou a reportagem, o contrato de compra previa alternativas à judicialização, caso a 777 Partners não tivesse de fato quitado a quantia. Se o calote se confirmasse, a empresa teria sua participação acionária reduzida na SAF.

Segundo as fontes consultadas, a suspensão da participação da empresa na sociedade gerou impasse, já que, se ela pagasse a terceira parcela, mas fosse mantida afastada do negócio pela Justiça, não conseguiria reaver o dinheiro gasto. “Essa é uma situação kafkiana”, afirma uma dessas pessoas ouvidas.

Questão política

Para as fontes ligadas à 777, ouvidas pela Máquina do Esporte, a disputa judicial da empresa com o Vasco tem motivações políticas. Segundo elas, o objetivo da chapa encabeçada pelo ex-jogador Pedrinho, vencedora da última eleição do clube, realizada no fim de 2023, era de implodir o acordo com o fundo de investimento.

A presença de nomes de peso do mundo jurídico no grupo eleito teria inclusive favorecido a saída judicial buscada pela diretoria do Vasco.

As fontes reconhecem, porém, que a situação atual decorre de erros estratégicos cometidos pela própria 777 Partners. “Enquanto John Textor, por exemplo, cuida do Botafogo como se fosse o quintal da casa dele, preenchendo espaços e apresentando resultados concretos, a 777 manteve um distanciamento em relação ao Brasil, o que acabou criando um hiato de poder”, explicou uma delas.

Por ora, a empresa atravessa um momento de incerteza, agravado pelas notícias vindas do exterior. Na semana passada, a 777 foi removida da gestão do Genoa, da Itália, após decisão da Assembleia Geral de Acionistas do clube.

A reunião também decidiu em favor do aumento de capital do Genoa, na quantia 40 milhões de euros no Genoa (cerca de R$ 247,46 milhões), em aporte a ser realizado pela A-CAP, maior credora e que alega ser a atual controladora da 777 Partners.

O clima de dúvidas não está restrito à empresa. Diante dessa disputa judicial, o próprio futuro do futebol profissional Vasco se torna incerto. Nos últimos meses, surgiram diversas notícias sobre possíveis interessados na compra da SAF do clube.

No início deste mês, o magnata grego Evangelos Marinakis contou, em entrevista à Sky Sports, que negocia a compra do Vasco. Anteriormente, circulou também a notícia de que o BTG Pactual teria interesse em adquirir o controle da SAF do clube.

“Hoje, o que existe é muita especulação. Várias empresas da Faria Lima estão de olho no negócio, mas a insegurança jurídica é imensa, pois ninguém sabe quem é do dono de fato da SAF. No fim das contas, estão reduzindo a cinzas um ativo espetacular como o Vasco, que tem uma história maravilhosa e uma torcida imensa”, avalia uma fonte ouvida pela reportagem.

O que diz o Vasco

Em entrevista à Máquina do Esporte, o vice-presidente jurídico do Vasco, Felipe Carregal, refutou a tese de que a atual diretoria teria premeditado a implosão do contrato com a 777 Partners.

“Esse papo é mentira. Não somos videntes. Entramos como sócios minoritários, com o objetivo de fiscalizar o acionista majoritário. O presidente Pedrinho sempre afirmou que cumpriria com esse nosso dever”, afirmou o dirigente.

Ele admite que, ao tomar posse, a nova diretoria do clube associativo já havia tomado conhecimento de notícias vindas do exterior, dando conta de que a 777 atravessava uma situação financeira delicada.

Segundo ele, foi a partir de uma reportagem publicada pelo site norueguês Josimar Football, com graves denúncias contra a empresa, é que a preocupação dos dirigentes vascaínos aumentou.

Carregal afirma que a diretoria agendou uma reunião virtual com Josh Wander, um dos sócios-fundadores da 777 Partners. “Ele confirmou presença, mas não compareceu. Marcamos um segundo encontro. Dessa vez ele não foi, mas enviou um representante brasileiro”, afirma o dirigente vascaíno.

Apenas à terceira reunião, realizada de maneira presencial em março deste ano, no Rio Sul Center, é que Wander compareceu. Além de questionar o executivo acerca das notícias ruins envolvendo a 777 Partners, Carregal afirma ter pedido ao investidor que apresentasse garantias financeiras de que a empresa teria condições de realizar o aporte de R$ 370 milhões, referente à terceira parcela da compra da SAF.

“Se tivéssemos premeditado excluir a 777 do negócio, não haveria sentido pedir garantias de que ela tinha condições de permanecer”, argumenta Carregal.

Wander teria respondido que tudo estava bem com a companhia e que as notícias negativas que repercutiam no exterior eram motivadas pela “inveja” de concorrentes, por conta de sua tentativa de comprar o Everton, da Inglaterra.

No fim das contas, o executivo não apresentou garantias. “O contrato não exigia que ele mostrasse, o que considero uma falha na forma como esse acordo foi fechado”, diz Carregal.

Na época, afirma o dirigente, a diretoria constatou que a 777 Partners deixara de cumprir com dispositivos contratuais, caso da reforma do Centro de Treinamento, prevista para ser entregue no meio deste ano, mas cujas obras sequer haviam começado.

Dívidas milionárias

Sobre o segundo aporte feito pela empresa, Carregal afirma que, tão logo ele entrou nos cofres da SAF, acabou sendo emprestado a outra empresa do grupo 777, que até hoje não teria devolvido a quantia.

“Ao todo, a 777 aportou R$ 310 milhões na SAF do Vasco, mas gerou uma dívida de R$ 350 milhões”, disse o dirigente.

Segundo ele, a saída judicial, tomada pela diretoria após surgirem as acusações de fraude feitas pela Leadenhall nos Estados Unidos, buscou evitar um “desastre maior” para o clube.

“Se eu esperasse a 777 não realizar o aporte, assumiria o clube em outubro, mas completamente quebrado e sem margem para alterar rotas e terminar o ano de maneira digna, como fizemos”, alegou.

Hoje, a 777 Partners, que tem seus ativos controlados pela A-CAP, sua maior credora, possui 31% do capital da SAF do Vasco.

Por ser parte estranha ao contrato, a A-CAP não pode realizar aportes na sociedade. O clube associativo é dono de 30% das ações e, atualmente, exerce os direitos sobre os outros 39%, por força da decisão judicial.

Ainda que exista a disputa judicial, caso o Vasco encontre um investidor interessado em assumir a SAF, nada impede que clube proponha um acordo aos antigos sócios e obtenha aval para que o negócio se concretize.

Fonte

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