O futebol da Europa atravessa uma fase paradoxal em matéria de finanças. No ano passado, os clubes do Velho Continente bateram recorde de faturamento agregado, que cresceu 8,3% na comparação com 2022, alcançando € 25,6 bilhões.
O cenário poderia parecer perfeito, não fosse o fato de que, em tempos recentes, o futebol europeu mergulhou numa lógica em que seus principais times ganham dinheiro como nunca, mas estão cada vez mais endividados. Mesmo com as receitas recordes, os clubes do continente amargaram prejuízo antes de impostos de € 800 milhões no ano passado.
Os números são do relatório The European Club Finance and Investment Landscapte, elaborado pela União das Associações Europeias de Futebol (Uefa) e que analisa as finanças dos clubes que disputam as primeiras divisões nacionais na Europa.
O documento reconhece que a pandemia de Covid-19 provocou perda de € 7 bilhões no faturamento das equipes. Mais tarde, com a reabertura dos estádios e a melhora no poder de consumo dos torcedores, as receitas acabaram por se recuperar. Porém, foram acompanhadas pelo aumento nos gastos dos times.
Segundo o relatório da Uefa, o nível de endividamento dos clubes da Europa cresceu 27% em comparação ao período pré-pandêmico.
Em 2022, esse endividamento já estava em € 25,7 bilhões, superando, portanto, o faturamento recorde que seria registrado no ano seguinte. E o pior é que as demonstrações prévias de resultados das equipes já apontavam para um crescimento de 8% nesse rombo em 2023.
Passivos chegam a € 37 bilhões
Embora as bases de ativos dos clubes tenham crescido, seus passivos agregados também aumentaram significativamente nos últimos anos, passando de € 30 bilhões, no fim de 2019, para quase € 37 bilhões, em 2022.
Com relação a esse aspecto, o relatório da Uefa traz uma observação interessante e que deixa claro o quanto a situação é preocupante.
“Toda empresa utiliza o financiamento da dívida, e o componente de capital de giro desse aumento é resultado natural do crescimento das receitas e dos custos. No entanto, os clubes têm, em parte, usado aumentos nos níveis de dívida para superá-los na pandemia”, afirma o documento.
Maiores rombos
De 2019 ao fim de 2022, a dívida comercial dos clubes europeus registrou um salto de 47%, alcançando a cifra de € 11,3 bilhões.
Os clubes da Premier League e da LaLiga responderam, juntos, por mais de dois terços do acréscimo de € 5,5 bilhões na dívida agregada, observado entre 2019 e 2022.
Os demonstrativos prévios divulgados no ano passado indicavam que as dívidas dos times ingleses e espanhóis manteriam a tendência de alta, com crescimentos de, respectivamente, 13% e 20%.
A dívida acumulada das equipes da Premier League foi de € 7,25 bilhões, enquanto a dos times da LaLiga ficou em € 4,7 bilhões.
Folha salarial
O futebol europeu vive uma contradição relacionada aos seus astros. Ao mesmo tempo em que ajudam a atrair receita (impulsionando a venda de ingressos e produtos variados, assim como o consumo de conteúdos audiovisuais), eles também acabam por consumir grande parte do faturamento dos clubes.
O relatório da Uefa mostra que, na Serie A italiana, nada menos do que 83% do que as equipes faturaram, em média, foi destinado ao pagamento de salários. Na França, o índice ficou em 89%, enquanto na Espanha chegou a 71%, e na Inglaterra alcançou 68%.
Na Bundesliga, apenas 59% das receitas dos clubes foram destinadas para saldar a folha de pagamento.
Sozinha, a Premier League gastou mais em salários do que LaLiga e Bundesliga somadas. Ao todo, os clubes ingleses tiveram uma despesa de € 4,3 bilhões com essa finalidade em 2022, o que representa uma média de € 160 milhões por equipe.
Para se ter uma ideia, isso equivale praticamente ao que todos os times da Dinamarca gastaram em salários no mesmo ano (€ 161 milhões).
Na LaLiga, as despesas com folha salarial ficaram em € 2,4 bilhões no período, enquanto na Alemanha chegaram a € 1,89 bilhão, média de € 89 milhões por equipe, o que representa pouco mais da metade dos investimentos dos clubes ingleses na área.
Disparidades de faturamento
O relatório da Uefa mostra uma enorme disparidade no universo do futebol europeu, quando o assunto é faturamento dos clubes. Apenas seis ligas ultrapassam a casa de € 1 bilhão no somatório das receitas de seus times: Premier League, LaLiga, Bundesliga, Serie A, Ligue 1 e Premier League Russa.
Mesmo entre as maiores competições, o fosso que as separa é imenso. O faturamento da Premier League (€ 6,45 bilhões) representa praticamente as somas das receitas de LaLiga (€ 3,3 bilhões) e Bundesliga (€ 3,2 bilhões).
As grandes ligas europeias têm enfrentado sérios desafios nos últimos anos. Um dos principais diz respeito às negociações dos direitos audiovisuais.
Entre as cinco maiores competições, apenas os contratos de Premier League e LaLiga tiveram crescimento nas comparações entre as temporadas 2019/2020 e 2023/2024, com aumentos respectivos de 9% e 11%.
Na Serie A, a redução foi de 14%, enquanto na Bundesliga houve queda de 13%. Na Ligue 1, que enfrenta sérios problemas com a venda de seus direitos de transmissão, a queda de receitas nessa área alcançou 19%.
Esses maus resultados, porém, são compensados pela valorização das competições organizadas pela Uefa, que tiveram acréscimo de 11% em seus contratos audiovisuais.