A baiana Assucena, que está radiante com o sucesso do primeiro álbum solo, Lusco-Fusco, fala de preconceito e estereótipos no Brasil
A cantora transgênero Assucena, que em setembro do ano passado lançou seu primeiro disco solo Lusco-Fusco e está colhendo os frutos deste trabalho, abriu o coração em recente entrevista. Para a Rolling Stone, a baiana de Vitória da Conquista falou, além do processo de criação do álbum, sobre estereótipo e preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ na música.
Após a dissolução do trio As Baías, em 2021 – reconhecido com indicações ao Grammy Latino (2019 e 2020) e duas vitórias do Prêmio da Música Brasileira em 2018 (Melhor Grupo e Melhor Álbum) -, a cantora e compositora de 35 anos construiu sua carreira artística solo na virada de 2021 para 2022. O primeiro projeto foi o show Rio e Também Posso Chorar, que estreou em dezembro de 2022 como uma homenagem aos 50 anos do disco Fatal de Gal Costa (1945-2022). Apesar do sucesso, ela confessa que ainda enfrenta muitos desafios.
“Seria muito difícil o Brasil aceitar uma mulher trans no lugar de Gal, ou de Elis Regina, ou de Elza (Soares), por exemplo. Hoje ainda tem muito preconceito. Eu, como cantora trans, tenho que provar muito para as pessoas que sou uma grande cantora, que canto bem, que domino a técnica do meu saber artístico, então você tem que passar por muitas privações. As pessoas duvidam ou generalizaram a sigla”, ressalta.
“Eu, por ser trans, pareço com as músicas das drags queens pop, ou me pareço com a Linn da Quebrada, a Liniker, Pabllo Vittar, que é drag, a Gloria (Groove)… colocam, mais ou menos, num mesmo pacote colorido LGBT. E as pessoas não escutam a sua música porque elas já pressupõe que pode ser parecida com o que elas acreditam. A gente passa por essa triagem que vem pela minha identidade de gênero, pela minha imagem, então parece que tenho que provar mais”, emenda.
PROJETO SOLO
Sobre seu primeiro disco solo, Assucena – que pegou seu nome da personagem de Carolina Dieckmann em Tropicaliente (1994), novela da TV Globo – fala com carinho do projeto e do processo de criação. “Está bonito. Tenho muito orgulho dele. Estou entendendo que um disco solo independente, é muito diferente de um disco solo independente que tem, sei lá, uma gravadora por trás. É um trabalho muito artesanal. Tanto o trabalho do backstage artesanal quanto do cuidado da obra”, diz.
“Então, demorei um pouco para fazer esse disco. Errei muito no processo, acertei muito no processo também, porque vim de uma banda, né? Quando você vem de uma banda, querendo ou não, as tarefas estão bem divididas, os movimentos são diversos, mas são divididos, então os ônus e bônus são divididos. Na carreira solo, não. Tudo vem para cima de você. Até a própria organização de equipe. Se a equipe está funcionando ou não… Tem que estar de olho em tudo, de maneira solo”, continua.
A artista confessou que se equivocou, inicialmente, ao colocar a imagem na frente da música. “Coloquei alguns passos a frente de outros passos. Comecei a trabalhar imagem um pouco antes e depois descobri que a música era o mais importante. Primeiro a música… coisas desse tipo. Quis trazer o Lusco-Fusco, primeiro por entender a beleza dessa palavra. Sempre achei uma palavra muito bonita. Ela nomeia dois momentos do dia muito bonitos, que é o amanhecer e o entardecer. E tem muitos sinônimos que eu poderia ter colocado, como crepúsculo, como o filme (risos), anoitecer e amanhecer, enfim. Mas não era esse o caso (risos). Eu coloquei Lusco-Fusco pela musicalidade que tem, e pela contradição”, explica.
“Me deixou muito feliz ter encontrado essa palavra. A gente não está gostando de discutir contradição, a gente vive em uma sociedade polarizada que não discute a contradição. A contradição é muito mais complexa do que a polarização. Lusco-Fusco tem essa polarização mas é multicromática, ela entende os processos dessas mudanças do estado. Lusco-Fusco é um processo de transição, da luz para o breu, ou do breu para a luz”, completa.
LUSCO-FUSCO
Assucena destacou que seu intuito era construir Lusco-Fusco entendendo o lugar de onde ela veio. “Sou uma mulher que passou por uma transição de gênero. Então passar por uma transição de gênero é passar por um Lusco-Fusco, com a tentativa de despolitizar a questão sanitária, a saúde. Então, o Brasil volta para uma normalidade política. Mais ou menos porque a gente ainda enfrenta resquícios de uma despolitização. Então é o Brasil em transição. E que Brasil é esse que se acende e que se apaga. Então eu quis falar sobre essas cores dessa mulher que passou por uma transição de gênero, dessa cantora que está saindo de uma banda para uma carreira solo”, fala.
E continua: “Essas cores que me permeiam como artista que sou, porque venho do sertão da Bahia… Então venho de um lugar onde a música brega é escutada nos botecos, mas o forró também é, e canção dos cancioneiros do local também é escutada nos botecos. Ao mesmo tempo, sou uma cantora que adora a tradição da MPB, que tem muita relação com a Bahia, do rock brasileiro, que tem muita relação com a Bahia. Então, esses são os meus Luscos-Fuscos (risos). É um disco muito especial para mim porque é o disco onde aprendo a fazer um disco, onde aprendo a depositar um pedaço de mim”.
Na próxima quarta-feira, 20, Assucena se apresenta no Rolling Stone Sessions, no Blue Note São Paulo, com o show Baby, Te amo, às 22h30. Mais informações: https://acesse.dev/1ggmj