Primeira empresa do setor a ganhar na Justiça, na disputa envolvendo a tentativa da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) de promover sua própria regulamentação do mercado de apostas esportivas, a Betano relatou que ainda vem enfrentando problemas de acesso no estado.
A Kaizen Gaming Brasil, proprietária da Betano, obteve uma liminar favorável, emitida pelo juiz federal Rodrigo de Godoy Mendes, da 7ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que suspendeu o bloqueio imposto à plataforma no estado.
A decisão foi proferida na última sexta-feira (19). Contudo, nesta quarta-feira (24), a empresa emitiu comunicado nas redes sociais, afirmando que aguardava “o restabelecimento da plataforma”.
Confira a nota da Betano:
Lamentamos informar que a decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) em resposta à ação movida pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) afetou temporariamente nossa operação exclusivamente no estado do Rio de Janeiro, prejudicando nossos clientes ao desconsiderar a legislação federal vigente.
Diante disso, a Betano tomou as medidas judiciais e legais cabíveis, confiante de que o Judiciário anularia a decisão, garantindo o período de transição, com cumprimento das regulamentações federais. Em 19 de julho, obtivemos uma primeira liminar que obriga a Loterj a não sancionar a Betano, e permanecemos otimistas de que esta questão será resolvida rapidamente, bem como o restabelecimento da plataforma.
Manteremos todos informados ao longo do processo.
Reforçamos também que estamos comprometidos com a regulamentação do setor no Brasil, que entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2025, e esperamos restabelecer a plataforma o mais breve possível.
Nota da Betano
Conforme a Máquina do Esporte apurou, mesmo com a liminar favorável, a plataforma seguiu sofrendo instabilidades relacionadas ao bloqueio imposto pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a sites de apostas que não possuem outorga da Loterj para operar no Rio de Janeiro.
A liminar obtida pela Betano determina a suspensão do bloqueio ao site da empresa, até que a Justiça profira a decisão final na ação movida pela Loterj.
Anatel, que barrou o acesso às plataformas que não estão licenciadas pela Loterj, foi procurada pela Máquina do Esporte. Porém, até o fechamento desta reportagem, o órgão não havia se manifestado a respeito do problema.
A sentença
A decisão favorável à Betano reconheceu que a empresa está dentro do prazo para se licenciar no país, estabelecido pela lei 14.790/2023, sancionada no fim do ano passado e que regulamenta o setor.
“O prazo se iniciou na data da publicação da portaria e somente terá seu encerramento em 31 de dezembro de 2024. As pessoas jurídicas que já estivessem em atividade no Brasil sem devida autorização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa só ficarão sujeitas às penalidades existentes, portanto, nos termos da referida portaria, a partir de 1º de janeiro de 2025”, afirmou o magistrado.
Por outro lado, a sentença garante à Loterj o direito de seguir “exercendo sua competência material, eventualmente instaurando processo administrativo para apurar alguma irregularidade, desde que observados os ditames da legislação federal conforme ora esclarecido”.
Entenda a polêmica
A polêmica das apostas esportivas no Rio de Janeiro tem a ver com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu o direito dos estados de explorarem serviços de loteria e emitirem outorgas para a operação de empresas de apostas esportivas.
O debate ganhou força recentemente, na medida em que a Loterj passou a emitir licenças em nível estadual dando o direito para plataformas operarem em nível nacional. O entendimento das autarquias de outros estados e do próprio governo federal é de que esse tipo de autorização válida para todo o Brasil seria competência exclusiva da União.
Enquanto a taxa de outorga estabelecida pela União é de R$ 30 milhões, a da autarquia fluminense está em R$ 5 milhões. Já o imposto sobre o GGR das empresas (receita bruta menos premiações pagas) é de 5% no estado, contra 15% em nível federal.
Em março deste ano, a Loterj lançou um edital de credenciamento de empresas de apostas, as quais poderão aceitar clientes de todo o Brasil. Esse movimento ocorreu no momento em que o setor ainda passa por regulamentação em nível federal, com a publicação das portarias pelo Ministério da Fazenda.
Os debates foram se acirrando até que, o início deste mês, atendendo a uma decisão da Justiça Federal, a Anatel determinou às operadoras de internet que bloqueiem, dentro do território do Rio de Janeiro, as URL’s (sigla em inglês que pode ser traduzida como algo próximo a “localizador uniforme de recursos”) de empresas de apostas que não são outorgadas pela Loterj.
Pela medida, ficaram impedidas de operar no Rio de Janeiro quase todas as empresas do setor existentes no Brasil, exceto Apostou RJ, Bestbet, Marjosports, Rio Jogos e Pixbet, que já são licenciadas na Loterj. Já Caesars Sportsbook, Key Solution Gaming of Bet, PNR, Purple & Green e SDL Loterias estão em fase de credenciamento junto à autarquia fluminense.
Ações individuais podem ser estratégia
A liminar obtida pela Betano sinaliza a estratégia que deverá ser adotada pelas plataformas que foram bloqueadas a pedido da Anatel, na polêmica com a Loterj.
Inicialmente, o setor tentou se fazer representar na ação por meio de suas principais entidades no país, a Associação Brasileira de Jogos e Loterias (ANJL) e o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR).
Ambas pretendiam ser aceitas como partes no processo, na condição de amici curiae. A expressão em latim, que pode ser traduzida como “amigos da corte” (o singular, mais conhecido, é amicu curiae), diz respeito a um indivíduo ou instituição que não é parte de uma ação, mas que se dispõe a colaborar com o tribunal, apresentando informações, provas ou fatos relevantes que poderiam não ser percebidos.
A função desse tipo de intervenção de terceiros seria ampliar a visão da corte e garantir que ela alcance um veredito mais justo.
Os requerimentos da ANJL e do IBRJ foram negados pela juíza federal Edna Márcia Silva Medeiros Ramos, da 13ª Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, que analisou o caso. No entendimento da magistrada, como as duas entidades representam empresas que exploram modalidades de apostas ou jogos, o interesse de ambas no “processo não é de auxiliar o juízo na compreensão do assunto, mas sim de cuidar para que seu desfecho seja favorável aos seus representados”.
O que dizem os lados envolvidos
Em recente entrevista concedida à Máquina do Esporte, o presidente da Loterj, Hazenclever Lopes Cançado, defendeu a decisão da Anatel de determinar o bloqueio, no território do Rio de Janeiro, dos sites não credenciados junto à autarquia.
“Nós havíamos enviado mais de 800 ofícios às empresas, notificando-as sobre a necessidade de se licenciarem no estado. Fomos ignorados. Resolvemos, então, ir atrás de nosso direito. Agora mostramos às demais loterias estaduais como fazer para retirar do ar os sites não licenciados”, afirmou.
Para Cançado, as empresas que pagaram por outorga da Loterj enfrentavam concorrência desleal, por parte das demais casas de apostas não licenciadas.
“Não posso aceitar uma situação dessas. Sou gestor público. Se não tomo uma atitude, perco a cadeira”, ponderou.
O presidente da Loterj afirmou ter convicção de que a decisão judicial que levou ao bloqueio das URLs no estado será mantida até o trânsito em julgado do caso. “Confio na Justiça. Não estamos em nenhuma aventura jurídica”, declarou.
Já Bernardo Freire, sócio do escritório Wald e Associados Advogados e consultor jurídico de empresas do setor, disse estar abismado com a situação. “Estamos em meio a uma regulamentação nacional. Aí, vem o Rio de Janeiro e atropela tudo”, afirmou o advogado.
Ele ainda acusou a autarquia de induzir a Anatel e o Judiciário a erro. “Se você pegar a lei que embasa a ação da Loterj, verá que ela garante um prazo até 31 de dezembro para as empresas estarem licenciadas. A legislação tem essa regra expressa. Se o Rio de Janeiro faz parte do Brasil, precisa seguir esse regulamento, a menos que queira fazer uma Guerra de Secessão”, disse.
Freire ainda afirmou que, na sua visão, o estado do Rio de Janeiro será o grande prejudicado com a decisão da Anatel, de bloquear o acesso a sites sem outorga da Loterj.
“Essa liminar vai cair. Se o operador ficar um dia que seja fora do ar, vou pedir ressarcimento. E os consumidores também poderão pedir reembolso pelo prejuízo sofrido. O presidente da Loterj [Hazenclever Lopes Cançado] disse, na entrevista concedida a vocês, que se não tomasse uma atitude, poderia perder a cadeira. Pois eu digo que ele vai perder a cadeira se persistir no que está fazendo”, declarou Freire.