As consequências dos atrasos nos pagamentos de salários e de imagem dos jogadores de futebol

De tempos em tempos, uma situação vem à tona no noticiário esportivo: o atraso nos pagamentos de salários ou de imagem a jogadores de futebol. É verdade que o futebol brasileiro vem evoluindo a esse respeito, com diversos clubes adotando melhores práticas de gestão e controle financeiro (há exemplos positivos tanto em clubes constituídos como associações quanto naqueles chamados de “clube-empresa”), e pode-se dizer que esses episódios provavelmente são menos comuns atualmente do que no passado. Mas, lamentavelmente, é fato que eles ainda existem. Em função disso, hoje trarei um breve resumo dos principais riscos diretos que essas dívidas ensejam aos clubes de futebol.

Antes de adentrarmos ao mérito da questão, vale o alerta: esse cenário não é exclusividade do Brasil. Por exemplo, há inúmeros casos de jogadores brasileiros que são contratados por clubes estrangeiros e lidam com atrasos salariais. Cuida-se, portanto, de uma temática relevante no futebol mundial, que não por acaso merece tratamento especial nos regulamentos editados pela Fifa, como se verá mais adiante.

Iniciando-se pela legislação brasileira, primeiramente cabe distinguir os valores devidos como contrapartida pelo direito de uso de imagem do atleta daqueles relacionados ao contrato de trabalho. Enquanto estes últimos possuem natureza trabalhista, os montantes associados ao uso da imagem são de natureza civil, de acordo com a Lei nº 14.597/2023 (Lei Geral do Esporte).

Isso não significa, contudo, que, sob a ótica da legislação brasileira, os atrasos no pagamento de valores referentes à imagem ou ao contrato de trabalho produzam consequências diferentes em relação à potencial rescisão deste último. Muito pelo contrário: o artigo 90, § 1º da Lei Geral do Esporte, define a “inadimplência da organização esportiva empregadora com as obrigações contratuais referentes à remuneração do atleta profissional ou ao contrato de direito de imagem, por período igual ou superior a 2 (dois) meses” como hipótese de “rescisão indireta” do contrato de trabalho.

Ou seja, se o clube atrasar o pagamento de parcelas correspondentes a dois ou mais meses dos valores referentes ao contrato de trabalho ou ao contrato de imagem do jogador (bastando um dos dois contratos), este terá direito a pleitear a rescisão antecipada do contrato de trabalho. E não é só isso: nesse caso, o atleta faz jus ainda ao recebimento de uma compensação equivalente a no mínimo o valor total de salários que teria direito a receber até o término do contrato e a no máximo 400 vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão.

Essas são as normas em vigor na lei brasileira, em regra aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados pelos clubes brasileiros, independentemente da nacionalidade do jogador contratado. Elas não se distanciam tanto das regras contidas no Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores (“RSTP”, na sigla em inglês), especialmente (mas não exclusivamente) utilizadas como base legal em litígios perante o Tribunal de Futebol da Fifa, isto é, envolvendo clubes e atletas que sejam de nacionalidades diferentes.

O RSTP determina que a falha no pagamento de dois ou mais meses de salário configura justa causa para rescisão unilateral do contrato de trabalho, com uma condição: o atleta deve notificar o clube e conceder um prazo de pelo menos 15 dias para que o débito seja pago. Caso persista o descumprimento, o jogador pode rescindir unilateralmente o contrato e cobrar compensação do clube.

Segundo o mesmo regulamento, a compensação a ser paga pode ser apurada de duas formas: um valor predeterminado pelas partes no contrato para esses fins, se houver; ou, caso as partes não fixem contratualmente um montante, ele corresponderá à soma dos salários que o jogador teria direito a receber até o término do contrato. Nessa segunda hipótese, caso o jogador seja contratado por um novo clube, os valores dos salários que tenha pactuado com esse novo clube (e que sejam relativos aos meses pelos quais o contrato anterior estaria vigente, se o antigo clube não tivesse dado causa à rescisão antecipada) são deduzidos do total a ser pago pelo clube anterior a título de compensação.

Vale destacar que o RSTP refere-se expressamente a “salários”, não fazendo qualquer referência a outras verbas como base para a rescisão do contrato e/ou para o cálculo da compensação. No entanto, há precedentes do Tribunal de Futebol da Fifa que estendem a aplicação a valores pertinentes ao uso da imagem do jogador, por exemplo. Nesse ponto, a análise detalhada do contrato de imagem é fundamental para a definição do caso concreto.

Enfim, vê-se que há distinções pontuais na forma como a legislação brasileira e os regulamentos da Fifa tratam do atraso no pagamento de verbas pelos clubes aos atletas de futebol. Contudo, as semelhanças são ainda mais importantes e reforçam que, sob ambas as perspectivas, são absolutamente relevantes os riscos a que se expõem os clubes que atingem dois ou mais meses de atraso nos pagamentos: eles podem perder o atleta, além de terem que pagar compensação por dar causa à rescisão antecipada do contrato.

Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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