A Corte Arbitral do Esporte nos Jogos Olímpicos

A Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla derivada do inglês Court of Arbitration for Sport) é considerada como o principal órgão de resolução de disputas internacionais no esporte. De fato, a sua existência confere aos atores do esporte, das mais diversas nacionalidades e modalidades, a possibilidade de solucionar litígios de forma especializada e sempre atenta às normas que regulamentam o esporte.

Em regra, são basicamente duas as formas pelas quais a CAS pode exercer sua competência. A primeira é de natureza ordinária e diz respeito à resolução de conflitos em relação aos quais as partes elejam a CAS como competente – desde que, claro, digam respeito ao esporte. Exemplo disso é a hipótese em que um clube de futebol celebra um acordo comercial no qual há uma cláusula definindo que eventual litígio deve ser submetido à CAS, em vez do Poder Judiciário ou outra câmara de arbitragem.

A segunda é uma competência recursal, e usualmente decorre de normas editadas pelas organizações que administram o esporte em nível internacional. A título de ilustração: das decisões proferidas pelo Tribunal de Futebol da FIFA (sobre o qual já falamos aqui neste espaço) cabe recurso à CAS. Decorre especialmente dessa perspectiva da CAS como “última instância” esportiva a importância da Corte para a consolidação e a interpretação das regras editadas pelas Federações Internacionais e, de modo geral, para a Lex Sportiva (exceto nos casos dos esportes que não apontam a CAS como órgão recursal de suas decisões, como é o caso do automobilismo).

Se a CAS é o principal órgão de resolução de disputas no esporte, no topo da pirâmide olímpica figura o Comitê Olímpico Internacional (COI). E, claro, a CAS assume função primordial em relação a litígios referentes aos Jogos Olímpicos.

Por meio da Carta Olímpica, o COI regulamenta seu funcionamento, sua relação com Federações Internacionais e Comitês Olímpicos Nacionais, organiza o Movimento Olímpico de modo geral. Além disso, estabelece as normas primárias sobre os Jogos Olímpicos e define, em sua regra 61.2: quaisquer disputas decorrentes ou conectadas com os Jogos Olímpicos devem ser submetidas exclusivamente à CAS.

A própria Corte Arbitral do Esporte edita regras específicas para o exercício dessa competência tão especial. Como parte disso, a CAS estabelece uma divisão ad hoc, com funcionamento na cidade-sede dos Jogos Olímpicos (ao invés de Lausanne, na Suíça, onde tem sede a Corte), para processamento exclusivamente dos casos relacionados ao evento. Sujeitam-se ao procedimento especial da divisão ad hoc as disputas que surjam durante os Jogos ou nos dez dias anteriores à cerimônia de abertura.

A título de ilustração, pela ocasião dos Jogos Olímpicos de Tóquio, realizados em 2021, a divisão ad hoc da CAS recebeu nove demandas para julgamento, sendo que uma delas foi encerrada mediante acordo entre as partes envolvidas. Em meio aos processos que usualmente são submetidos a essa divisão, destacam-se dois tipos de objeto distintos: classificação para os Jogos e questões inerentes à competição.

O primeiro diz respeito às controvérsias quanto a critérios de qualificação ou seleção de atletas participantes dos Jogos. Nessa hipótese, usualmente o atleta (e/ou o respectivo Comitê Olímpico Nacional) desafia decisão de Federação Internacional que tenha divulgado a lista final de qualificados em suposta contrariedade às regras previamente estabelecidas. Outra possibilidade é que o atleta conteste ato do próprio Comitê Olímpico Nacional que o tenha deixado de fora dos Jogos, pleiteando decisão que lhe assegure a participação na competição.

A segunda hipótese remete ao que classicamente conhecemos da Justiça Desportiva, visto que contempla controvérsias acerca de fatos ocorridos durante uma competição. Em Tóquio, por exemplo, foram submetidas à CAS decisões de autoridades das Federações Internacionais de Atletismo (um caso) e de Boxe (dois casos) relacionadas a desclassificações de atletas durante as respectivas competições. Nenhuma das apelações à CAS foi bem-sucedida, o que não surpreende: a Corte Arbitral do Esporte possui firme jurisprudência no sentido de privilegiar a manutenção das decisões e dos resultados havidos durante a competição.

Independentemente do objeto da controvérsia, a celeridade no julgamento, característica dos sistemas de resolução de disputas do esporte, é inegociável. E não poderia ser diferente pois, além de se inserir no contexto do principal evento multiesportivo do mundo, a divisão ad hoc lida com competições esportivas extremamente curtas: a norma de aplicação da regra 32 da Carta Olímpica determina que as competições dos Jogos Olímpicos não devem exceder 16 dias, e sabe-se que boa parte delas se resolve em um único dia (por exemplo, uma prova de natação que tem as eliminatórias pela manhã e a final no fim do dia).

Por isso, o regulamento específico dos procedimentos da divisão ad hoc contempla algumas importantes diferenças em relação aos processos regulares da CAS, com destaque para o prazo: em regra, a decisão final deve ser proferida em até 24 horas do recebimento da demanda. Outra distinção digna de nota é que o processamento de demanda na divisão ad hoc não requer o recolhimento de custas, o que se revela como uma grande vantagem em relação ao procedimento regular da CAS (cujas custas normalmente são de dezenas de milhares de francos suíços).

Além disso, também como forma de acelerar o processamento, cabe ao presidente da divisão nomear os árbitros que comporão o Painel julgador (ou nomear o árbitro único, se assim entender ser o caso), retirando-se das partes essa prerrogativa. A propósito, a lista de árbitros que estarão à disposição para atuar nos casos da divisão ad hoc já foi divulgada pela CAS.

Enfim, a duas semanas do início dos Jogos Olímpicos, ainda pode haver dúvidas quanto à participação de alguns atletas e equipes ainda não selecionados ou classificados. De outro lado, temos duas certezas: (i) a CAS estará pronta para julgar as demandas que lhe forem submetidas, e (ii) ela, como de praxe, será acionada por algum(ns) dos milhares de atletas envolvidos com o evento.

Pedro Mendonça é advogado especializado na área esportiva desde 2010, com vasta experiência na assessoria a diversas entidades esportivas, como comitês, confederações e clubes, além de atletas, e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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