Uma cabeça de porco atirada ao gramado de um dos estádios mais modernos do país, durante um clássico entre Corinthians e Palmeiras, roubou a cena e foi uma das grandes protagonistas de uma segunda-feira perfeita do alvinegro paulista.
Quando, pela televisão, foi possível ver o centroavante e herói corintiano Yuri Alberto chutar o que parecia ser um cobertor para fora do gramado antes de um escanteio, não deu nem para perceber o que era aquele objeto. Depois, quando as redes sociais começaram a repercutir o acontecido, e a própria transmissão do Sportv foi recuperar a imagem e mostrar a cabeça de um porco, a reação das pessoas foi um misto de incredulidade, revolta e respeito.
Sim, passou um pouco de tudo isso na cabeça de muita gente. E é exatamente essa reação que mais serve de alerta para o futuro do futebol no Brasil.
Na semana passada, em entrevista ao podcast Maquinistas, da Máquina do Esporte, Marcelo Paz, CEO do Fortaleza e um dos dirigentes mais ativos na atual geopolítica da bola, afirmou que temos como colocar o Brasil entre as cinco ligas mais ricas do mundo. Paz ainda se gabou do fato de que uma pesquisa recente colocou o Brasileirão como o sexto campeonato mais forte do mundo, mesmo com toda a bagunça que ainda impera entre nós.
Nesta segunda-feira (4), o Ministério do Esporte iniciou uma campanha pedindo paz nos estádios e solicitando uma “mudança de cultura” dos torcedores. A iniciativa tem como objetivo reduzir as brigas entre torcidas e promover a transformação dos estádios em locais de festa.
Tudo isso mostra que caminhamos a passos largos para uma necessária modernização do futebol brasileiro e para o entendimento de que temos de entregar para o torcedor um produto melhor para ser consumido.
Só que, em um jogo que reúne um pouco de tudo isso, vem a cabeça de um porco atirada para dentro do gramado em meio a um dos mais tradicionais clássicos do futebol nacional.
É simplesmente inacreditável isso ter acontecido!
Não é possível que uma pessoa consiga entrar em um estádio com uma cabeça de porco, o que nos faz crer que o caso foi muito bem premeditado. Alguém contrabandeou a cabeça para dentro da Neo Química Arena esperando o momento certo para agir.
Mas, ao contrário do que muito se imaginava, o lançamento da cabeça de porco ao gramado não foi condenado pela maioria da opinião pública. Tanto nas redes sociais quanto na mídia, não houve uma crítica massiva ao acontecimento bizarro e completamente descabido de bom senso.
Por que isso acontece?
É aí que chegamos ao ponto central da discussão sobre a modernização do futebol no Brasil. Enquanto aceleramos esse processo e, no meio dele, buscamos a civilidade, temos uma cultura de arquibancada que remete ao bárbaro. E que não pode ser ignorada.
A modernização do futebol no Brasil não pode sufocar a tradição e a cultura. Sim, não podemos ser bárbaros, mas a reação que houve em relação a uma cabeça de um porco ter sido atirada ao gramado diz muito sobre cultura e tradição.
O centro do negócio do esporte são cultura e tradição. O esporte tem a força de movimentar pessoas e juntá-las em comunidades porque é tradicional e é cultural. Foi da rivalidade entre Corinthians e Palmeiras que surgiu a história do porco. Em 1986, na arrancada rumo à final do Paulistão, o time do Palmeiras abraçou a mascote que antes era sinônimo de xingamento. Como? Entrando, a cada jogo, com um porco de verdade no colo de Jorginho, capitão do time à época.
Se não soubermos preservar a cultura e a tradição no futebol brasileiro, corremos o risco de sofrer uma perda de identidade que pode significar o fim do próprio negócio. É claro que a civilidade precisa ser mantida. Mas existe uma tradição que não pode ser ignorada.
E não nos escandalizarmos com a cabeça de um porco atirada dentro do gramado de um estádio que já abrigou jogo de abertura de Copa do Mundo, em um dos jogos mais importantes de um campeonato que movimenta quase R$ 5 bilhões por ano, diz muito sobre essa história.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo