Um documentário que tente mostrar a trajetória de atletas paralímpicos pode ser tornar uma arapuca ao seu diretor. Em primeiro lugar, para não cair nos discursos fáceis de heroísmo, superação e capacitismo. Ao mesmo tempo, o fã de esporte quer conhecer o lado humano das estrelas que brilham nas quadras, pistas e piscinas em uma Paralimpíada.
Esse foi o desafio que o diretor André Bushatsy enfrentou para finalizar o filme O instante decisivo, que estreia nesta quinta-feira (12) no Globoplay. Em primeiro lugar, a escolha dos personagens foi bastante feliz, considerando que, quando do início das filmagens, não se sabia quem iria brilhar no ciclo paralímpico retratado, finalizado em Paris 2024.
Personagens
O documentário conta a trajetória dura de treinamentos e competições durante o período de preparação até os Jogos, passando pelas intempéries comuns a todos os atletas, como dúvidas sobre seu desempenho, lesões, crises psicológicas, problemas familiares, frustrações em competições preparatórias e conquistas até a chegada das Paralimpíadas.
Participam das filmagens o velocista Petrucio Ferreira; as lançadoras Beth Gomes e Raíssa Machado; os nadadores Gabriel Araújo e Carol Santiago; a mesa-tenista Bruna Alexandre e o fixo Cássio Reis.
Há histórias distintas de atletas que já eram estrelas em suas modalidades e só confirmaram favoritismo na França. É o caso de Petrúcio e Beth. Havia boas apostas após grande desempenho em Tóquio, que em Paris briharam ainda, como Gabrielzinho e Carol.
Houve quem se superou no ciclo e comemorou a prata, caso de Raíssa. Há também espaço para a decepção daquele que perdeu uma longa hegemonia em sua modalidade. Foi o que aconteceu com Cássio no futebol de cegos, que se despediu das Paralimpíadas com o bronze. Tinha no currículo três ouros pela seleção brasileira: Londres 2012, Rio 2016 e Tóquio 2020.
E há também espaço para histórias inusitadas, como a de Bruna Alexandre, que viveu o turbilhão de experiências neste ano ao se tornar a primeira atleta brasileira, do masculino e feminino, a disputar as Olimpíadas e Paralimpíadas no mesmo ano. Em Paris, foi bronze em simples (classe 10) e duplas (classe WD20, com Danielle Rauen).
Dia a dia
Estrelas paralímpicas que convivem com as dificuldades do dia a dia em uma sociedade pouco inclusivas como a brasileira e em cidades como adaptadas aos deficientes, como São Paulo, têm a satisfação de ver suas histórias serem contadas para um público mais amplo.
“Foi uma sensação muito gostosa de vivenciar nossa trajetória dentro desse documentário. Então, fico muito feliz em saber que nossa história vai ficar”
Beth Gomes, campeã paralímpica em Paris 2024
Seu segundo ouro paralímpico veio aos 59 anos, idade em que a maioria dos atletas já se aposentou ou, no máximo, mantém-se próximo das competições como treinador ou dirigente.
“Sabemos que temos o dia de começar e o de parar. Pretendo ir no esporte até quando eu aguentar. O atleta paralímpico buscando seus índices e tendo rendimento, pode continuar no esporte até quando quiser”, prega Beth, durante coletiva de pré-estreia do filme.
Saúde mental
As vivências são bem diferentes. Há quem conseguiu superar a distância da família e as limitações de treinamento por causa de lesões graças ao apoio psicológico
“Em volta do atleta tem vários profisisonais que ajudam a gente a chegar ao pódio. Porque muito não é mostrado. Não mostra que a gente está lesionado, que tem depressão, que treinamos todos os dias porque gostamos daquilo”
Raíssa Machado, vice-campeã paralímpica em Paris 2024
A lançadora de dardo aponta o apoio da psicóloga como fundamental para enfrentar a distância da família, que ficou na Bahia, os períodos em que teve que parar de treinar por causa de lesões ou sua preparação mental para as competições.
“Eu faço [análise] três vezes por semana. Estou superando ainda uma depressão. É muito pouco falado. A gente tem depressão. Principalmente quando a gente larga tudo e vem para uma cidade grande”, conta a medalhista paralímpica.
Solução que não é compartilhada pela catarinense Bruna Alexandre. “Fui duas vezes na folga. Nunca mais voltei. Não sabia o que falar”, confessa a mesa-tenista, que procura outras soluções para arejar a cabeça durante o período de preparação.
O instante decisivo mostra as especificidades de cada atleta até o dia da grande competição. Ao contar essas trajetórias, o documentário deixa claro que até o instante decisivo houve um período longo de preparação, com a ajuda de uma equipe grande de profisisonais e da família e amigos que gravitam o entorno dos atletas.
Essa estrutura foi decisiva para o Brasil conquistar um desempenho histórico em Paris 2024. O país já era uma potência paralímpica, mas na França, pela primeira vez, atingiu o top 5 no quadro geral de medalhas, com 25 ouros, 26 pratas e 38 bronzes. Que essas histórias sejam mais contadas.